São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2011

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O fim do ditador

Morte de Gaddafi vira uma página na Líbia e abre caminho para transição, mas atuação da Otan representa um perigoso precedente

As circunstâncias da morte do ditador Muammar Gaddafi ainda não foram totalmente esclarecidas -talvez nunca o sejam-, mas os relatos apontam para mais uma ação questionável da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança militar ocidental.
Segundo as versões disponíveis, um comboio de carros no qual o ditador fugia da cidade de Sirte, último foco de resistência aos rebeldes, foi bombardeado por aviões da Otan. Gaddafi veio a morrer pouco depois, e as imagens sugerem que foi assassinado quando já estava rendido.
A morte de Gaddafi exerce o inegável efeito benéfico de colocar fim, de facto, à guerra na Líbia e diminui o incentivo a possíveis focos de guerrilha fiéis ao ditador deposto. O país poderá, assim, concentrar-se na tarefa de realizar uma transição rumo à democracia, o que, sem dúvida, ainda enfrentará muitos percalços.
A vizinha Tunísia -que elege neste domingo parlamentares constituintes nove meses após ter deposto seu ditador- seria um bom modelo de transição a servir de inspiração aos líbios.
Se a morte do ditador vira uma página, não cancela o fato de que a ação das potências ocidentais na Líbia extrapolou o mandato concedido pela resolução 1.973 das Nações Unidas. O texto aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU autorizava o uso da força apenas para a proteção de civis -sua votação se deu quando o exército do ditador havia cercado o bastião rebelde de Benghazi e ameaçava massacrar a população.
Por consequência, o texto não autorizava o uso da força para promover uma mudança de regime, muito menos para a eliminação do tirano, como veio a ocorrer ontem.
Assim, são duas e graves as violações perpetradas pela Otan, que abusou dos poderes concedidos pela resolução da ONU.
Já no início ficou claro que o objetivo das potências era derrubar a ditadura de Gaddafi, o que configura uma violação da soberania líbia e do princípio da audodeterminação dos povos -numa situação de guerra civil, caberia aos líbios definir o seu destino.
O segundo ponto é o fato de a Otan ter tomado parte decisiva no episódio que culminou na eliminação de um inimigo rendido. Desrespeitou-se, com o concurso da aliança ocidental, um princípio basilar do direito.
Ditadores capturados, por mais vis que sejam -e Muammar Gad-dafi era dos piores-, devem ser levados a julgamento em cortes que respeitem trâmites fundamentais, como o exercício do contraditório. O respeito às leis, não custa lembrar, é uma das barreiras que separam democracias de tiranias.



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