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Os tigres sem papel
JOSÉ SARNEY
O pior da crise no mercado de capitais não é o fato de que as Bolsas estão
caindo, os capitais fugindo e os bancos encontrarem-se em grandes dificuldades. Isso são fatos conjunturais.
Coisas episódicas. O trágico e alarmante é que a atual crise é estrutural e
está ligada ao fim de um ciclo histórico, iniciado com a queda do Muro de
Berlim e o colapso da velha ordem
mundial baseada na Segunda Guerra.
Testemunhamos a construção de uma
nova ordem, um novo mapa político e
econômico, conforme a filosofia e as
leis do vencedor. Tivemos, no início,
conflitos localizados (Bálcãs, Kuwait,
Iraque, Somália), a mudança dos conceitos de Estado-nação, a escalada da
solução das divergências internacionais em níveis de pressões diplomáticas, pressões políticas, pressões militares, uso da força. A fase inicial do
fim das ideologias acomodou-se, ajustou-se.
Agora é a vez da ordem econômica
mundial velha que correspondia à
Guerra Fria, quando os Estados Unidos tinham de fazer concessões à Europa, ressurgir a Alemanha e consentir na construção de um Japão competitivo, ameaçador de mercados. Durante esse tempo o poderoso império
nipônico derramou-se pela Ásia. Cinquenta por cento dos investimentos
japoneses criaram ilhas de prosperidade e riqueza, os Tigres Asiáticos.
Era uma necessidade política para
contrabalançar o poderio soviético e
conter o dragão chinês. Essa economia correspondia à filosofia e ação da
Guerra Fria, que acabou. A velha ordem econômica, por inércia, ainda resistiu, alimentada pelo vácuo da globalização, que possibilitou um mercado financeiro especulativo, selvagem e
anárquico. Agora é a hora da acomodação da economia mundial nos moldes da potência vitoriosa. Ninguém
pode competir com os Estados Unidos. Seus preços são a metade dos
praticados no resto do mundo. A força do mercado financeiro globalizado,
fora do controle do Federal Reserve,
tem que acabar. Greenspan foi o primeiro, com grande sinceridade, a
alertar. Foi o profeta? Mais do que isso, o anunciador do que está por vir.
A única ilha de segurança, ficou claro,
são os títulos do Tesouro dos Estados
Unidos, país que, pela primeira vez na
história, tem o menor déficit, a menor
taxa de desemprego. Quem quiser ter
segurança, corra para essa casamata, é
a mensagem.
É no meio dessa guerra de gigantes
(como se diz no Nordeste, "água para
navio, onde canoa não anda") que nós
achamos que vamos resolver a nossa
situação cortando o pobre feijão do
vale-alimentação do trabalhador, diminuindo os incentivos ao teatro, ao
cinema, ao livro, à cultura. Vamos
nos preparar para tempos difíceis.
Não nos enganemos mais com aquela
história de que o Brasil é diferente e de
que a crise asiática é benéfica porque
os capitais vêm para cá! A globalização veio para o bem e para o mal.
A alguns amigos confidenciei há alguns dias que a bola da vez era o Japão. Agora, apareceu e está debaixo
das asas americanas, enfrentando a
recessão, taxas altas de desemprego,
bancos quebrados, bolsa em queda livre. Paradoxalmente, só os Estados
Unidos podem salvá-lo. Acabou-se a
Guerra Fria, acaba-se a velha ordem
econômica e a realidade é a pax americana.
Essa é a crise que o banco central
americano chama de "salutar".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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