São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Lula e o espectro de Rio Branco DEMÉTRIO MAGNOLI
"A política externa não vem depois da definição de um projeto
nacional. Ela faz parte desse projeto nacional." Isso foi escrito pelo candidato
Lula, em 1994, quando postulava a Presidência pela segunda vez.
A grande novidade não tem conotação ideológica: é a proposta de criação de uma Secretaria de Comércio Exterior subordinada à Presidência. Certa ou errada, a idéia parece revelar uma crença ingênua nos poderes da diplomacia comercial, que por si mesma pouco pode fazer para alavancar a capacidade exportadora nacional. Mas a ênfase nisso reflete, ao que tudo indica, o mal-estar do PT com a renúncia à sua antiga plataforma terceiro-mundista e a vontade de contornar, pelo atalho do "pragmatismo econômico", os temas clássicos da política internacional. Na Presidência, Lula não poderá fugir dos problemas estratégicos da inserção do Brasil no sistema internacional de Estados. A questão central, que repercute sobre todas as esferas da nossa política exterior, é a definição das relações do Brasil com a hiperpotência global. A Doutrina Bush, da "guerra ao terror", expande o poder da hiperpotência, provocando um desequilíbrio mundial. Com exceção da Grã-Bretanha, as grandes potências reagem procurando, através das instituições internacionais, contrabalançar o poder unilateralista de Washington. No Conselho de Segurança da ONU, a França age em concerto com a Rússia e a China para diluir e amenizar a agressividade americana diante do Iraque. Quando Lula insiste no tema da paz mundial, como fez no "discurso da vitória", está indicando que o Brasil frustrará Bush, alinhando-se ativamente aos europeus na defesa do multilateralismo? A "guerra ao terror" está em pleno curso na Colômbia. Washington associou, em definitivo, o narcotráfico à guerrilha e a guerrilha ao terror. Começam a desembarcar oficiais americanos com a missão de treinar os militares colombianos. Logo, o Brasil terá que abandonar a postura de espectador preocupado e definir uma política para o conflito no país vizinho. É uma encruzilhada delicada: a proposição de uma saída negociada, que estaria conforme à tradição diplomática brasileira e aos instintos do PT, seria interpretada na Casa Branca quase como um ato hostil. O Brasil assumiu, ao lado dos EUA, a co-presidência da fase final de negociações da Alca. O destino do Mercosul e da própria noção de integração sul-americana dependem do desenlace dessas negociações. Entre os numerosos opositores da Alca, ganha corpo a idéia de realização de um plebiscito oficial sobre a adesão ao bloco. Essa solução pode se revelar atraente para Lula, pois transferiria para o eleitorado o ônus de uma decisão contrária à vontade de Washington. Mas uma decisão desse tipo representaria a implosão do projeto acalentado há uma década pela hiperpotência e um afastamento dramático entre o Brasil e os EUA. Há um século, com o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco, o Brasil optou por construir uma "parceria privilegiada" com os EUA. No governo Lula está em jogo o futuro dessa parceria. Demétrio Magnoli, 43, é doutor em geografia humana pela USP e editor do periódico "Mundo Geografia e Política Internacional". Este texto beneficiou-se do conhecimento antecipado do artigo "A Política Externa do Novo Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva: retrospecto histórico e avaliação programática", de Paulo Roberto de Almeida, a ser publicado na "Revista Brasileira de Política Internacional" (jul-dez, 2002). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Claudia Maria Costin: Os crimes dos jovens de classe média Índice |
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