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NELSON MOTTA
Nosso mundo animal
SÃO PAULO - Guardo as piores
memórias desses filmes sobre o
mundo animal que passam para
crianças na televisão. Leões perseguindo e estraçalhando um antílope indefeso. Leopardos atacando as
zebras, estripando-as e rasgando
suas carnes. Hienas disputando
carniça com ratos e urubus.
Com as modernas tecnologias de
filmagem, o sadismo e a crueldade
encontraram no gênero, considerado "educativo", um dos campos
mais férteis para toda a sorte de
brutalidade, afinal, a natureza é assim, não é?
Nesses mesmos ambientes selvagens, nos filmes de caçadas, são os
humanos que dão o show de selvageria, violência e covardia, perseguindo e matando belos animais
pelo prazer de matar, de destruir a
beleza e transformá-la em obscenidade ao exibir suas cabeças como
troféus e cobrir seus corpos com
suas peles.
E, no entanto, o corpo de uma
mulher ou de um homem nus, dois
seres humanos se abraçando e se
beijando, são proibidos para as
crianças, por obscenos. Afinal, a natureza humana é assim, não é? Melhor para os bichos, que não conhecem a hipocrisia.
Lembrando esses aterrorizantes
filmes da vida animal, o que ainda
me chama atenção é que na natureza não há o que chamamos de "justiça", uma invenção humana que
não existe nem na terra, nem no
céu, nem na história, na biologia ou
no cosmo. Não há justiça no amor
nem na guerra. Em seu nome, todas
as atrocidades são aceitas e cometidas. Para reparar injustiças, outras
maiores são praticadas. A selvageria humana não tem limites, pela
"justiça" nos nivelamos aos animais
mais ferozes.
Resta-nos o eco distante do poeta
Mário Faustino: "Não conseguiu
firmar o nobre pacto / entre o cosmo sangrento e a alma pura / gladiador defunto, mas intacto / (tanta
violência, mas tanta ternura)".
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