São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Ministérios

Na época do regime militar (1964-1985), o ministério mudava pouco. Fingia-se que a administração era algo técnico e houve muitos ministros tecnocratas, como ficaram conhecidos. Trocas de ministros eram vistas como sinal de crise e discórdia num regime que supostamente as havia superado, embora vivesse engolfado nelas por trás das aparências. Com a democracia, o ministério voltou a ser moeda de troca do Executivo nas negociações com o Congresso. Como as bancadas são indisciplinadas e os partidos não têm responsabilidade pública, os acordos estão sujeitos a chuvas e trovoadas, mas de acordo com a seguinte regra meteorológica: quanto mais fraco o governo, maior o apetite da bancada "fisiológica". O leigo imagina que o normal seria convocar as pessoas supostamente mais capazes para gerir cada área. Um ministro ou outro, que tenha tino administrativo e algum projeto para seu setor, pode fazer diferença. Mas a máquina de cada ministério é enorme e funciona (ou funciona mal) sozinha. É ela quem garante alguma continuidade de ação. Uma parte dos ministros, talvez a maioria, é, na prática, despachante dos interesses das bancadas e de outros grupos de pressão nas suas respectivas pastas. "Gerem" os projetos nos quais esses interesses estão implicados; do resto, cuida a máquina. Dois ou três ministros tentam implantar um projeto próprio, dois ou três outros fazem a política do presidente. Não deve ser diferente nos outros países: a pequena política é o preço da democracia, cabendo aos governos Fernando Henrique e Lula terem se adaptado sem incômodo, até com gosto, a ela. E, de tempos em tempos, acontece uma dessas "reformas ministeriais", que continuam sendo tão diminutas e irrelevantes como eram nos romances de Machado de Assis.

 

É possível que o Ministério Público e a imprensa estejam extrapolando suas respectivas funções: um, de investigar e denunciar, a outra, de informar o público a respeito. Ocorreram abusos em casos isolados. Pode-se até examinar, para fins de argumentação, a tese de que essas duas instâncias de vigilância social deveriam ser mais disciplinadas.
Mas qual a credibilidade desses supostos defensores da reputação alheia, que trocam de lado conforme estejam no governo (abaixo o Ministério Público) ou na oposição (viva o MP)? Que assumem tão descaradamente o propósito de estimular ou de inibir a procura da verdade conforme o que for mais conveniente no momento?
É preferível que haja abusos, os quais a lei sempre pode punir, a deixar os governantes à vontade, livres de controle público. Ainda mais numa situação como a atual, em que o vácuo da ideologia abandonada às pressas é preenchido por um projeto de poder pelo poder, no qual, do passado, só restaram os cacoetes: o monopólio sobre a verdade e a virtude.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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