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CARLOS HEITOR CONY
Vermute e amendoim
RIO DE JANEIRO - Para o bem ou para o mal, os dias da chamada folia estão se aproximando. Carnaval aparece todos os anos e pode ser previsto,
como os cometas e os eclipses. Jornais,
revistas e TVs se esbofam anualmente para contar a história da festa que
teve o seu caráter religioso, mas logo
retornou às suas origens pagãs.
Em sua melhor fase, ele associou as
saturnais greco-romanas aos personagens da commedia dell'arte, os sátiros e bacantes da antiguidade aos
personagens românticos de Veneza:
pierrô, arlequim e colombina.
Nada como um carioca para avacalhar com as coisas sérias, para
zombar do pulsar das multidões.
Dois cariocas, então, é para sair de
baixo. Noel Rosa e Heitor dos Prazeres, no início dos anos 30, enterraram
definitivamente a santíssima trindade dos carnavais venezianos.
Heitor foi também pintor primitivo. Tenho na sala um de seus quadros deliciosos. Noel Rosa, depois de
Camões, foi o sujeito que encontrou
as melhores rimas que conheço na
poética universal. Na marchinha
"Pierrô Apaixonado", cuja letra é inteiramente de Noel, há uma quadrinha genial: "Um grande amor tem
sempre um triste fim/ com o pierrô
aconteceu assim/ levando esse grande
chute/ foi tomar vermute/ com amendoim".
Hoje não se toma vermute com
amendoim, toma-se uísque com pipoca. E tremo ao pensar no que Noel
faria com a rima de pipoca.
Se o vermute com amendoim saiu
de moda, pierrô, arlequim e colombina também deram adeus e foram-se
embora. Sobrou o mulherio saudável
e despido que hoje alegra nossa vista,
nosso coração e nosso gesto.
Mudamos para melhor? Não sei. De
uns tempos para cá, comecei a ver as
coisas embaciadas e, obedecendo ao
oculista, vou me retirar ao estaleiro
para reparos. Ficarei fora uns dias,
mas, desde já, saúdo o Carnaval que
vai chegar. Com melhor visão do
mundo, procurarei enxergar o rosto
do pierrô, solitário, pálido de luar, tomando seu vermute com amendoim.
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