São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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O RISCO DA IMPUNIDADE

O STF (Supremo Tribunal Federal) está prestes a adotar decisão que poderá desmontar o mecanismo de fiscalização do poder público criado a partir de 1992 com a aprovação da Lei de Improbidade Administrativa. O diploma permitiu ao Ministério Público iniciar ações em todo o país contra milhares de prefeitos, vereadores, secretários e ministros suspeitos de má gestão dos recursos públicos.
Existem cerca de 10 mil processos e inquéritos instaurados com base nessa norma, e muitos deles correm o risco de ser extintos caso se confirme a decisão do Supremo.
A matéria se arrasta no STF desde 2002, e a maioria dos ministros da corte manifestou posição que reduz drasticamente a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, principal instrumento de combate à corrupção da legislação nacional.
A maioria dos magistrados entendeu que a lei não se aplica aos chamados agentes políticos -ocupantes de cargos de primeiro escalão sujeitos a processos por crime de responsabilidade e passíveis de impeachment. Esse universo abrange presidente da República, ministros, governadores, secretários, prefeitos, ministros do STF e procurador-geral da República.
A Lei de Improbidade se aplicaria apenas aos ocupantes de cargos de segundo escalão para baixo ou servidores de carreira do Estado.
Há uma distância considerável entre as sanções previstas nos dois diplomas legais. A legislação que trata de crimes de responsabilidade prevê a pena de perda do cargo, por decisão parlamentar. O único caso em que isso ocorreu na história recente foi o de Fernando Collor de Mello. Já a Lei de Improbidade estabelece perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e ressarcimento dos cofres públicos.
Dos 11 ministros do STF, seis votaram no sentido da aplicação restrita do diploma legal. Por enquanto, só manifestou posição contrária o ministro Carlos Velloso, que se aposentou sexta-feira, ao completar 70 anos. Para ele, a confirmação do voto dos seis ministros representará um considerável estímulo à corrupção.
"Isentar os agentes políticos da ação de improbidade administrativa seria um desastre para a administração pública", declarou Velloso em seu voto. O efeito será especialmente nefasto para o Ministério Público, que perderá uma de suas principais armas de atuação. Em grande parte das cidades brasileiras, promotores e procuradores são o único anteparo aos abusos do poder político e têm na Lei de Improbidade um instrumento fundamental de atuação.
O julgamento no STF foi interrompido por um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Depois dele, ainda vão se manifestar os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Sepúlveda Pertence. Mesmo que todos acompanhem o voto do ministro Velloso, o placar ficaria em 6 a 5 contra a ampla aplicação da Lei de Improbidade Administrativa.
Os votos podem ser alterados antes de o julgamento final ser proferido. Resta a esperança de que os integrantes da corte reavaliem suas posições, à luz dos princípios constitucionais e do devastador impacto que o entendimento ora majoritário terá sobre as instituições e a percepção que delas tem o cidadão comum.
Não se trata aqui de defender posições afinadas com o clamor público, mas juridicamente frágeis. É necessária uma interpretação ampla da Carta, que leve em conta seus princípios básicos. Entre eles, a defesa da moralidade administrativa ocupa posição primordial, como demonstrou o ministro Velloso em seu voto.


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