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TENDÊNCIAS/DEBATES
As perspectivas da esquerda
RUY FAUSTO
Nessas condições e a essa altura do campeonato, acho que é preciso buscar uma solução fora do PT, não dentro dele
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Na hora dos balanços do ano findo e da definição de perspectivas
para o ano novo, cabe a pergunta (principalmente para quem se situa à esquerda): Que possibilidades pode ter, ainda,
a esquerda no Brasil?
Retomemos o fio do que aconteceu no
ano passado e tentemos analisar um
pouco o seu significado, assim como os
seus efeitos na conjuntura atual. Começo por considerações empíricas (sobre
eventos e pessoas), porque já no nível
dos dados há muita confusão.
A Câmara dos Deputados cassou o
mandato de José Dirceu (e o de Roberto
Jefferson), mas não parece se dispor a ir
muito mais longe do que isso. A cassação de Dirceu é um fato auspicioso. Preferia não me alongar sobre o personagem, mas, já que uma parte do PT o celebra como herói (!), cabem duas palavras a respeito dele.
Dirceu, é preciso dizê-lo, encarna o
que há de pior na esquerda, em termos
de burocratismo e de autoritarismo. O
que não é só questão de traços pessoais.
Seus laços -passados e presentes-
com o "socialismo" totalitário são conhecidos, ainda que não inteiramente. É
sintomático, aliás, que entre os seus
maiores defensores estejam nostálgicos
de Stálin e ativistas de uma certa tendência não muito forte na defesa da democracia e da honestidade administrativa, o chamado "castro-quercismo"...
Entretanto, a cassação de Dirceu -e
sobretudo quando o cassado é acolhido
com flores pelo partido- não garantiu
um verdadeiro recomeço para o PT. Tudo se passa como se a última oportunidade de refundação tivesse sido perdida
com a eleição, sem condições, de Berzoini para a presidência do partido.
Hoje, salvo erro ou surpresa maior,
uma "virada" do PT já não parece possível. Na vida de um partido (e principalmente de um partido de esquerda), como na vida de um indivíduo, os traumas graves não podem ser reabsorvidos
sem um profundo "trabalho" interno.
Ora, digam o que disserem uns e outros, os "traumas" do PT não são da ordem daqueles que podem ser descartados por meio de fórmulas do tipo "nossos erros no que se refere a recursos não
contabilizados" ou outros eufemismos
do mesmo gênero. O PT quer jogar a
poeira para baixo do tapete, se esquecendo de que se trata de coisas mais graves do que poeira e tapete.
O caso Celso Daniel, para falar só do
mais sério, é de imensa gravidade. Observemos ainda uma vez que as evidências de que a morte de Daniel tem a ver
com práticas de corrupção em proveito
do PT são múltiplas e esmagadoras (para dar apenas um argumento: seis pessoas de algum modo relacionadas com
o crime não teriam sido assassinadas se
se tratasse de um simples seqüestro, como pretende, hoje, a direção petista).
A desmoralização do PT resultou essencialmente de revelações como as do
caso Celso Daniel e de evidências suficientemente sólidas de práticas de corrupção envolvendo de forma direta os
seus dirigentes. Inútil tentar explicar o
que aconteceu pela "luta de classes" ou
pelo golpismo da direita, mesmo que,
evidentemente, a direita se refestele
com tão oportuno presente.
Se se quiser apelar para a tradição, há
alguma coisa mais séria a refletir. Na
história do socialismo, há um fenômeno recorrente: o do apodrecimento de
partidos de esquerda. Conhece-se o caso famoso da social-democracia alemã e
de alguns outros partidos social-democratas que se comprometeram a fundo
com a aventura guerreira de 1914. O
partido bolchevique, ele próprio um
partido de tipo autoritário e ultracentralista (nesse sentido, ele já nasce degenerado), sofreu, por sua vez, o fenômeno da degenerescência stalinista. Um
partido de jacobinos fanáticos se transformou em partido de burocratas corruptos e de policiais a serviço de um
déspota genocidário.
Mas, e o PT? O PT se perdeu por quê?
Por mais de uma razão, mas principalmente porque, partindo de um modelo
de revolução violenta, ele não abandonou o que estava por trás desse projeto,
a justificação dos meios pelos fins. Limitou-se a trocar a violência pela corrupção. A falta de respeito pela legalidade
(que não é só "burguesa") continuou a
mesma. A acrescentar a cristalização no
Partido dos Trabalhadores de práticas
antigas de corrupção sindical. Como escrevi em outro lugar, o resultado dessa
mistura foi uma espécie de "degenerescência mafiosa" (a distinguir das outras,
mesmo se alguns traços são comuns, a
saber, da assim chamada degenerescência "reformista" -ou, antes, "adesista"- da populista e da stalinista).
Nessas condições e a essa altura do
campeonato, acho que é preciso buscar
uma solução fora do PT, não dentro dele. Muita gente saiu do partido, e os desligamentos continuam. Só que -novo
problema- muitos daqueles que se
dispuseram a partir acreditam que, com
a debacle do PT, o caminho "pacífico"
se esgotou no Brasil e só restaria uma
"alternativa revolucionária".
Há motivos para supor, entretanto,
que essa "alternativa" representa uma
outra ilusão, simétrica a dos que ainda
acreditam no PT. Mas essa segunda falsa opção e a situação geral da esquerda
são temas para serem tratados em outro
artigo.
Ruy Fausto, filósofo, é professor emérito da
USP. É autor, entre outras obras, de "Marx - Lógica e Política" (Editora 34).
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