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ANA LUCIA BUSCH
Sem internet no Butão
MANTER O ANONIMATO na
internet pode servir a
uma dezena de interesses,
mais ou menos nobres.
Parece razoável evitar perseguições pessoais ao despejar na rede
informação sobre a situação de países sob regimes políticos restritivos. Pode ser conveniente integrar
um grupo de discussão para alcoólatras em recuperação sem que se
conheça o autor de cada comentário publicado.
A idéia de preservar a identidade
em nome de segurança e privacidade agrada. Mas e-mails gratuitos ou
forjados também são recurso útil
para espalhar o ódio racial, ameaçar quem quer que seja ou praticar
crimes de toda espécie. O anonimato não deixa de ser, assim, um
trunfo e uma danação. Mas tentar
resolver problemas atacando o direito de ser anônimo parece tão ingênuo quanto inócuo.
Obrigar a identificação dos usuários de internet, por exemplo, seria
um ataque violento à liberdade primordial da rede, além de ser um
modo incapaz de deter abusos,
diante do caráter aberto, descentralizado e internacional do meio.
Crimes continuariam a ser cometidos; cidadãos comuns seriam submetidos a constrangimento capaz
de inibir a expressão livre de idéias.
O conceito não é novo. Em 1991,
Phil Zimmermann, criador do
mais popular programa de encriptação de e-mails, já professava:
"Quando a privacidade se tornar
crime, só os criminosos terão privacidade". Continua com a razão.
Mas não deixa de ser interessante pensar como o cidadão que defende de forma visceral os meandros da vida privada acaba ele mesmo se tornando, voluntária ou involuntariamente, presa fácil da ausência de privacidade: cadastra dados para comprar seus CDs preferidos, faz ligações telefônicas por
internet ou publica um perfil completo de si para quem quiser ler.
Não há necessariamente algum
mal nisso. Apenas estimula a curiosidade sobre quais seriam as conseqüências de uma hipotética fusão
entre uma grande loja virtual e um
provedor de acesso de peso. E desses dois com um gigantesco site de
buscas. E do cruzamento do completíssimo banco de dados que resultaria disso com as informações
contidas em um site de relacionamento. E de tudo isso com os dados
coletados pelo maior operador de
cartões de crédito do planeta. Somem-se os resultados de exames
médicos disponíveis na rede e o
rastreamento promovido por chips
instalados nas placas dos carros.
Que grupo organizado ou governo
seria capaz de resistir a tamanho
poder de informação?
Nesse exercício de futurologia,
privacidade é coisa do passado.
Que tal mudar-se antes para um
monastério isolado no Butão? Sem
internet, claro.
ana.busch@folha.com.br
ANA LUCIA BUSCH é diretora-executiva da Folha
Online e da Publifolha.
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