São Paulo, terça-feira, 22 de janeiro de 2008

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Hora de sangue-frio

Brasil está hoje em melhores condições para enfrentar a crise global desencadeada por temor de recessão nos EUA

DISCUTIU-SE MUITO nas últimas semanas a possibilidade de o dinamismo das economias da Europa e da Ásia contrabalançar os impactos de uma desaceleração nos EUA. Era muito mais um "wishful thinking" do que um dado da realidade.
A economia mundial está cada vez mais integrada por fluxos de investimento, comércio, serviços e capitais. Assim, movimentos de valorização e desvalorização de ativos tendem a tornar-se cada vez mais sincrônicos.
Ontem, as Bolsas de Valores na Ásia, Europa e América Latina apresentaram fortes quedas diante da perspectiva de a economia americana entrar em recessão e arrefecer a dinâmica econômica global. Nos EUA propriamente ditos, o mercado financeiro permaneceu fechado em decorrência de um feriado.
Para o Brasil, o perigo maior é que a crise desencadeie uma desvalorização nos preços das commodities, com impactos negativos sobre as exportações.
Mesmo que o pior cenário se materialize, hoje o país se encontra mais preparado para enfrentar adversidades. Suas contas externas apresentam uma melhora substantiva. Assim, as repercussões do aumento na aversão ao risco dos investidores externos e da contração na demanda mundial devem ter impactos distintos de outros choques externos.
No passado, o alto endividamento e o déficit em conta corrente resultaram em fuga de capitais e desvalorizações abruptas do real. Foi o que se deu em 1994, após a crise do México; em 1997, com a crise dos países asiáticos; em 1998, com a crise russa; em 2001, com a crise argentina; e em 2002, com a eleição de Lula. Sob essas condições, o Banco Central se via obrigado a elevar a taxa de juros, contendo o crescimento.
Na sexta-feira, as reservas internacionais do Brasil somavam US$ 185 bilhões. Quase cobriam, portanto, o volume da dívida externa total, de US$ 196 bilhões. O saldo comercial e o superávit em conta corrente (mesmo em queda) atenuam os efeitos da crise.
A própria fuga de investidores estrangeiros de ações e títulos da dívida pública tende a ser limitada pelo regime de flutuação da moeda. A desvalorização do real amplia as perdas e pode conter a saída dos investidores.
O destino das exportações brasileiras também está mais diversificado, com menor dependência do mercado americano. Em torno de 20% das exportações do Brasil vão para os EUA, e os 80% restantes destinam-se para Ásia, Europa e América Latina. Assim, o país está numa situação menos desfavorável para enfrentar um desaquecimento da economia mundial, desencadeado por uma possível recessão nos EUA.
Não é o caso de esquecer, entretanto, que o próprio aprofundamento da integração do Brasil ao sistema econômico e financeiro mundial indica que a dinâmica do país fica mais sujeita às oscilações da economia internacional. E, neste momento, vislumbra-se uma fase menos exuberante de crescimento econômico e um período de queda nos preços dos ativos, que exigirão sangue-frio de autoridades, empresários e investidores.


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