São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

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Na corda bamba

Obama se previne contra excesso de expectativas, reafirma plataforma de mudanças genérica e cita abolicionista na posse

O DISCURSO de posse do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não figura entre os mais brilhantes já proferidos pelo democrata. O encontro entre a retórica de inspiração religiosa e a opção por abordar uma diversidade de temas, dentro do rígido protocolo da ocasião, dificultou que da fala sobressaísse uma mensagem clara.
Basta, no entanto, diminuir as ambições interpretativas -e livrar-se de indagações acerca do lugar desse discurso na história, por exemplo- para encontrar uma linha de continuidade entre o que foi dito anteontem para 1,8 milhão de testemunhas em Washington e o que vinha sendo pregado pela equipe do democrata.
"Digo a vocês que os desafios que enfrentamos são reais. Não serão superados facilmente, nem num período de tempo curto. Mas saiba, América: eles serão superados", afirmou Obama logo no início da fala. Foi o arremate solene de um esforço que vinha desde a eleição, no sentido de baixar as inflacionadas expectativas a respeito do novo governo -sem, contudo, comprometer as generosas promessas feitas ao longo da campanha.
Essa espécie de corda bamba retórica já seria esperada numa situação normal, a fim de ajustar o discurso de um candidato de oposição inexperiente à realidade da administração de uma máquina imperial como o governo dos EUA. A dramática evolução da crise econômica -e das demandas na sociedade por socorro imediato da Casa Branca- radicalizou esse ajuste.
Prevenido contra a ansiedade popular, Obama então pode alinhavar em seu discurso de posse os grandes temas de sua campanha, os quais preenchem, de modo ainda genérico, sua plataforma de "mudança". As promessas de maior atuação estatal na distribuição de renda, na saúde e na regulação do sistema financeiro e de mais atenção ao ambiente, ao devido processo legal e ao multilateralismo convergiram para um termo interessante, a "era da responsabilidade".
Trata-se, nas palavras do presidente americano, "do reconhecimento de que temos deveres para conosco, com nosso país e com o mundo". Ou, em outra passagem, específica sobre o uso da força militar: "Nosso poder (...) não nos confere o direito de fazermos o que bem entendemos".
Para tarefas difíceis, como as que se impõem hoje aos EUA, só um povo talhado na adversidade. Esse foi o mote da evocação dos fundadores da República, indefectível nos discursos presidenciais americanos, na fala de Barack Obama. Thomas Paine, um dos mais radicais agitadores da Independência, proclamada em 1776, foi agraciado com a única citação do discurso.
A tese da abolição da escravatura, à época defendida ardorosamente por Paine para o país nascente, acabou derrotada. Nada mais simbólico do que ter sido citado, mais de dois séculos depois, na posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.


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