São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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"Atual conjuntura", enredo para o Carnaval 2010

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE


Como todos os nomes citados no artigo de Janine são descartados, quem fica sozinho no palco, esperando ser ungido pelo povo?

 

"Foi lá em Brasília,/ Onde nasceu FH,/ Que a superministra Dilma/ Arresorveu se operar..."
(D'après Sérgio Porto, cronista do Festival de Besteiras que Assola o País, o Febeapá)


ESSE PEQUENO pastiche de um pastiche veio-me à mente na leitura do artigo de Renato Janine Ribeiro, publicado neste espaço na última semana ("Líderes, gerentes ou chefes", 15/1), que me deixou intrigado: "cui bono"? A que serve bajular Lula como formulador de uma nova forma de liderança presidencial enquanto, ao mesmo tempo, desqualifica os principais concorrentes à sucessão, José Serra e Dilma Rousseff? O autor deveria saber que há imensa literatura sobre a função da Presidência, que teoriza sobre diferentes estilos de persuadir e liderar. James Rosenau introduziu, há algumas décadas, a dimensão individual para a formulação da política externa.
Se o lesse, Janine entenderia por que o paralelo de Lula com Fernando Henrique é totalmente fantasioso, ao passo que um paralelo de Lula com Ronald Reagan seria evidente: imensa popularidade, um salto do sindicato para a política, dois mandatos sucessivos com alta aprovação, total ausência no dia-a-dia do governo, um sofisticado cultivo da ignorância, uma inabalável cumplicidade com parentes e amigos, juros a taxas siderais e prodigalidade fiscal, um para a indústria bélica, outro para a indústria das corporações de "companheiros". Belo padrão de liderança!
Janine descarta Dilma como futura candidata: "Pode ser uma boa gerente de projetos, mas não é uma líder (...)".
E logo descarta, também, o governador de São Paulo.
É um direito discordar ou desgostar do Serra, mas dizer que ele não sabe exercer liderança nem é capaz de ir além do seu próprio partido? Afinal, Serra levou Lula ao segundo turno com quase 40% dos votos populares em 2002, elegeu-se prefeito contra uma gestão bem avaliada, elegeu-se governador no primeiro turno... Isso além da impecável montagem e condução de uma maioria eleitoral pluripartidária que enfrentou e derrotou, nas eleições para prefeito de São Paulo, as forças políticas mais poderosas do país e agora costura com sucesso as feridas internas de seu partido.
Confesso que não entendi por que o autor afirma que um chefe não é um líder, porque "dá ordens, nomeia, demite. Um presidente, não", para logo em seguida admitir que seu paradigma de líder, o presidente Lula, demitiu seu ministro da Educação, que se encontrava no exterior, por telefone celular, sem esquecer que nomeou 60% mais funcionários do que Fernando Henrique.
O estilo de mando de Lula revela-se na concessão de asilo ao terrorista Cesare Battisti, sobre cujo caso, conforme o "Estado de S. Paulo" de 16/1, "não sabia nada" até 15 dias atrás, quando "viu manifestações de apoio" das ONGs de sempre e ouviu apenas uma parcela sabidamente enviesada de seus colaboradores. Com base nessa visão parcial das coisas, envolveu o país num grave incidente diplomático com uma das nações europeias que mais investem no Brasil.
Quanto à oposição, ela estaria mal porque só tem Serra, que é "óbvio" e "lembra Dilma". Desde quando seria um defeito, para uma liderança política, ser uma opção óbvia para assumir o poder? E qual seria o defeito de saber conduzir projetos, pôr a mão na massa, diagnosticar problemas concretos e encontrar solução para eles que Serra e Dilma compartilhariam, segundo Janine? A liderança executiva, que é o cerne da liderança política do governante, é algo muito mais complexo do que crê a vã filosofia. Ela implica clara compreensão das ideias em jogo, julgamento para hierarquizar os principais desafios, capacidade analítica para diagnosticá-los, capacidade decisória para escolher prioridades e iniciativa para mobilizar recursos e transformá-los em poder político.
Em suma, talvez propositalmente confuso para não revelar seus desígnios, o artigo discorre sobre a liderança boa, que não é convenientemente definida, e a liderança má, demasiadamente comprometida com resultados concretos.
No frigir dos ovos, como todos os nomes citados no artigo são descartados porque não teriam aquele alto padrão indefinido de liderança, quem fica sozinho no palco, esperando apenas ser ungido novamente pelo povo? Lula. Se era para isso, por que o autor não defende honestamente a prorrogação do mandato de Lula? Se não, então só pode ser mesmo um samba para um enredo que o autor, como o crioulo doido de Sérgio Porto, não entendeu muito bem de que se trata.

JOSÉ AUGUSTO GUILHON ALBUQUERQUE, 68, é professor titular aposentado da FEA-USP e pesquisador sênior do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. É autor de "O Legado de Franco Montoro".



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