São Paulo, sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

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Reflexo regional

Líderes da América Latina que não endossam o caudilhismo bolivariano ganham novo aliado com vitória de Piñera no Chile

A VITÓRIA do conservador Sebastián Piñera, no Chile, modifica o quadro de afinidades ideológicas entre os chefes de Estado da América Latina. Não se espera do novo presidente, que assumirá no dia 11 de março, a manutenção da discreta neutralidade demonstrada pela socialista Michelle Bachelet diante da política de confrontação patrocinada por Hugo Chávez.
"Posso visualizar dois grandes caminhos", afirmou Piñera logo após a vitória: "Um deles é liderado por países como Cuba, Venezuela, Nicarágua e Bolívia (...); o outro é liderado por México, Brasil, Colômbia, Peru e Chile". Fez o preâmbulo para alinhar-se ao segundo modelo, baseado na "democracia com Estado de Direito, na independência entre os Poderes e no respeito à liberdade de expressão e de imprensa".
A presença de Piñera nas reuniões regionais de cúpula tornará menos provável a repetição de episódios como o virtual isolamento diplomático da Colômbia, na questão do uso de bases militares pelos Estados Unidos. O presidente eleito do Chile já afirmou não ver problema no acordo entre Washington e Bogotá.
É provável que se fortaleça na América do Sul uma "frente antichavista", integrada por Álvaro Uribe (Colômbia), Alan García (Peru) e o próprio Piñera.
Com sinais trocados, deve ocorrer com o chileno algo próximo do que levou o presidente Lula a permitir maior penetração da militância ideológica na política externa: uma certa compensação feita à tradicional base de apoio -numa área em que a retórica custa pouco- pela falta de mudança em temas centrais, como a política econômica.
O clube bolivariano, vale lembrar, arrisca-se a ter o desfalque da Argentina em 2011. A presidente Cristina Kirchner perdeu a maioria no Congresso e enfrenta uma crise -a um só tempo política, institucional e econômica- como não se via desde 2001, no violento final da gestão De La Rúa. Os principais adversários políticos do casal Kirchner, todos aspirantes à sucessão de outubro do ano que vem, se opõem à aproximação com Chávez.
Não existe algo parecido com uma onda ideológica, a operar mudanças em série nos governos sul-americanos. Todos esses processos nacionais obedecem, sobretudo, a fatores locais.
A novidade trazida pelo chavismo não foi sua roupagem ideológica, uma reapresentação do velho caudilhismo latino-americano, mas o uso de dinheiro venezuelano, oriundo das exportações de petróleo, para financiar governos amigos. Argentina, Bolívia, Cuba, Nicarágua e até Honduras foram agraciados com os petrodólares chavistas no período de boom da commodity, interrompido em meados de 2008.
Decerto esse surto de intervencionismo chavista não se compara aos estragos causados pela Guerra Fria na região, quando os EUA patrocinavam golpes, e os soviéticos, a ditadura cubana. Comprova-se agora, com a crise que assola a economia venezuelana, após a queda do preço do petróleo, que o projeto bolivariano tinha pés de barro.


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