São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2000


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INVENÇÃO OU MONOPÓLIO?

A patente, um prêmio ao inventor, é basicamente um incentivador de novas descobertas, não um dispositivo de dominação de mercado. Toda legislação que se proponha a regular a propriedade industrial, portanto, deve abraçar tal princípio. Assim, como ocorre na prática, o direito de receber royalties pela exploração de patentes nunca é incondicional, por limitado no tempo e na forma de concessão.
Esteve no Brasil, semana passada, missão de 19 empresas dos EUA chefiada pelo secretário de Comércio, William Daley. Nas oportunidades que teve de expressar a finalidade da visita, o secretário não deixou de mencionar "preocupações sérias" de empresas de seu país com alguns pontos da Lei de Patentes brasileira. Dentro da tradição negociadora norte-americana, o representante do governo democrata restringiu-se a menções genéricas ao problema na imprensa, guardando munição para conversas mais reservadas.
A preocupação manifesta de Daley baseia-se em movimentos recentes do Planalto, que avançaram na regulamentação da legislação patentária brasileira de 96. Trata-se de dois atos do Executivo do segundo semestre de 99, um decreto e uma medida provisória, assinados também pelos ministros José Serra (Saúde) e Alcides Tápias (Desenvolvimento).
A medida provisória, de novembro, indefere na prática 2.000 requisições de patentes. Esse é o número de pedidos que não foram reapresentados no prazo estipulado após a entrada em vigência da nova lei e que, portanto, caducaram. Sua exploração se tornou pública. Caso o governo não tivesse agido, esses 2.000 pedidos corriam o risco de se transformar em patentes, pela entrada em vigor de um tratado internacional. Ora, não faz sentido que patentes que já caíram no domínio público voltem a valer e que se tenha que tornar a pagar royalties por elas. Assim, agiu corretamente o governo ao fechar a brecha legal.
A mesma MP estipula ainda que todo pedido de patente para produto farmacêutico passe antes pelo crivo da Vigilância Sanitária, a agência pública com competência no setor.
Por sua vez, o decreto, de outubro, regulamenta a licença compulsória, prevista no art. 71 da Lei de Patentes. Pelo instrumento, um ministro pode decretar a quebra temporária de determinada patente e a concessão de sua exploração a terceiros para uso público não-comercial. Para tanto, basta justificar o ato em termos de "interesse público" ou "emergência nacional". Trata-se sobretudo de instrumento de pressão política nas mãos do governo que, para ser aplicado, requer discernimento. Demandaria até a anuência de um alto comissariado competente no assunto e o aval do presidente da República.
Multinacionais farmacêuticas, cuja grita fez-se ouvir na passagem de Daley, temem que a licença compulsória seja utilizada no caso em voga de aumentos de preços de medicamentos. Fatos tidos como "de primordial importância para o desenvolvimento socioeconômico" do país estão relacionados no decreto entre os que justificam suspensão de patente. O dispositivo está previsto na OMC e foi concebido para atuar no momento em que a patente é utilizada, indevidamente, para reservar mercado.
A atuação de algumas multinacionais farmacêuticas, e elas não constituem exceção, não tem se pautado pela lealdade à livre competição. Os EUA e o Canadá aplicaram, no ano passado, multas a três dessas companhias cuja soma extrapola US$ 1 bilhão, por manipulação de mercado.
Os passos para a regulamentação da propriedade industrial no Brasil, portanto, parecem legítimos. O país apenas se usa de espaços de decisão que deveria ter ocupado antes. Porém não se pode deixar de notar que tudo isso se dá em momento especial do governo FHC, em que pressões por políticas industriais e sociais mais agressivas têm tido maior espaço, embora ainda seja cedo para falar em uma mudança notável na condução de tais assuntos no Planalto.


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