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INVENÇÃO OU MONOPÓLIO?
A patente, um prêmio ao inventor, é
basicamente um incentivador de novas descobertas, não um dispositivo
de dominação de mercado. Toda legislação que se proponha a regular a
propriedade industrial, portanto, deve abraçar tal princípio. Assim, como
ocorre na prática, o direito de receber
royalties pela exploração de patentes
nunca é incondicional, por limitado
no tempo e na forma de concessão.
Esteve no Brasil, semana passada,
missão de 19 empresas dos EUA chefiada pelo secretário de Comércio,
William Daley. Nas oportunidades
que teve de expressar a finalidade da
visita, o secretário não deixou de
mencionar "preocupações sérias" de
empresas de seu país com alguns
pontos da Lei de Patentes brasileira.
Dentro da tradição negociadora norte-americana, o representante do governo democrata restringiu-se a
menções genéricas ao problema na
imprensa, guardando munição para
conversas mais reservadas.
A preocupação manifesta de Daley
baseia-se em movimentos recentes
do Planalto, que avançaram na regulamentação da legislação patentária
brasileira de 96. Trata-se de dois atos
do Executivo do segundo semestre de
99, um decreto e uma medida provisória, assinados também pelos ministros José Serra (Saúde) e Alcides
Tápias (Desenvolvimento).
A medida provisória, de novembro,
indefere na prática 2.000 requisições
de patentes. Esse é o número de pedidos que não foram reapresentados
no prazo estipulado após a entrada
em vigência da nova lei e que, portanto, caducaram. Sua exploração se tornou pública. Caso o governo não tivesse agido, esses 2.000 pedidos corriam o risco de se transformar em patentes, pela entrada em vigor de um
tratado internacional. Ora, não faz
sentido que patentes que já caíram no
domínio público voltem a valer e que
se tenha que tornar a pagar royalties
por elas. Assim, agiu corretamente o
governo ao fechar a brecha legal.
A mesma MP estipula ainda que todo pedido de patente para produto
farmacêutico passe antes pelo crivo
da Vigilância Sanitária, a agência pública com competência no setor.
Por sua vez, o decreto, de outubro,
regulamenta a licença compulsória,
prevista no art. 71 da Lei de Patentes.
Pelo instrumento, um ministro pode
decretar a quebra temporária de determinada patente e a concessão de
sua exploração a terceiros para uso
público não-comercial. Para tanto,
basta justificar o ato em termos de
"interesse público" ou "emergência
nacional". Trata-se sobretudo de instrumento de pressão política nas
mãos do governo que, para ser aplicado, requer discernimento. Demandaria até a anuência de um alto comissariado competente no assunto e
o aval do presidente da República.
Multinacionais farmacêuticas, cuja
grita fez-se ouvir na passagem de Daley, temem que a licença compulsória
seja utilizada no caso em voga de aumentos de preços de medicamentos.
Fatos tidos como "de primordial importância para o desenvolvimento
socioeconômico" do país estão relacionados no decreto entre os que justificam suspensão de patente. O dispositivo está previsto na OMC e foi
concebido para atuar no momento
em que a patente é utilizada, indevidamente, para reservar mercado.
A atuação de algumas multinacionais farmacêuticas, e elas não constituem exceção, não tem se pautado
pela lealdade à livre competição. Os
EUA e o Canadá aplicaram, no ano
passado, multas a três dessas companhias cuja soma extrapola US$ 1 bilhão, por manipulação de mercado.
Os passos para a regulamentação
da propriedade industrial no Brasil,
portanto, parecem legítimos. O país
apenas se usa de espaços de decisão
que deveria ter ocupado antes. Porém
não se pode deixar de notar que tudo
isso se dá em momento especial do
governo FHC, em que pressões por
políticas industriais e sociais mais
agressivas têm tido maior espaço,
embora ainda seja cedo para falar em
uma mudança notável na condução
de tais assuntos no Planalto.
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