São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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ILUSÕES PERDIDAS

Um dos efeitos importantes das revelações sobre as atividades do ex-subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil Waldomiro Diniz é a percepção, que vai se generalizando pela sociedade, de que desaparece da política brasileira um pólo de referência ética, como foi o PT na maior parte de sua trajetória de oposição. Se as visões do partido acerca da economia e da política eram freqüentemente ingênuas, quando não irrealistas ou irresponsáveis, não havia dúvida de que o petismo, quanto entravam em cena questões relativas à ética, estava na maioria das vezes do lado certo.
É verdade que a crescente participação do partido em prefeituras e governos estaduais já havia contribuído para dilapidar uma fatia desse patrimônio construído com denúncias sobre irregularidades de governantes e embates contra o fisiologismo e a corrupção de políticos tradicionais.
Os problemas para exercer o poder de forma "diferente" -o que é muito mais fácil anunciar do que fazer- foram aparecendo aqui e ali. Concessões e acordos políticos espúrios passaram a ter lugar nesta ou naquela prefeitura, neste ou naquele governo, numa ou noutra campanha. Foram tais práticas se tornando as faces visíveis de acertos mais comprometedores, que nem sempre vinham à tona, mas podiam ser perfeitamente intuídos em sua dimensão oculta.
Que o PT precisaria, de alguma maneira, sujar as mãos para governar, poucos duvidavam. O fato, porém, de que a história tivesse depositado nessas mesmas mãos muito das aspirações de moralização política nutridas pela sociedade deixou o partido numa encruzilhada.
De certa forma, essa dicotomia está relacionada a duas linhas que participam da fundação do partido. De um lado, a sua origem católica, a alimentar os valores da honestidade e da correção moral. É o PT da solidariedade, da ajuda aos pobres, do bom-mocismo. De outro, a influência da esquerda, da lógica bolchevique, que tradicionalmente pouco se importa com questões relativas à moral burguesa ou religiosa, apenas servindo-se delas se úteis para atingir seus objetivos de exercício do poder.
A solução da equação parece ter sido a mais tradicional e previsível possível: o manto da ética e do moralismo religioso passou a encobrir o pragmatismo da militância esquerdista, na realidade cada vez menos de esquerda e mais pragmática.
O PT que foi convocado pelos brasileiros a ocupar o poder federal já não era o mesmo partido de outras campanhas. Tornara-se, certamente, mais "maduro" e menos ameaçador. Os temores de que cometeria desatinos se dissiparam. Ficou apenas, para lembrar o slogan utilizado, a esperança. Esperança de mudança no padrão ético da cultura política do país e esperança de uma gestão da economia compatível com o perfil de um partido egresso da produção.
A frustração causada pela adoção de uma política econômica conservadora, em pouco ou quase nada diversa da que lhe antecedeu, já era crescente. Compensava-a, porém, o fato de o presidente Lula contar com um crédito de confiança quanto a suas boas intenções. É como se o eleitor dissesse: se não foi feito é porque ainda não foi possível, afinal, eles são decentes e confiáveis.
É essa credibilidade política que agora se vê atingida de forma irreversível. Sem resultados econômicos e com problemas para manter a confiança da sociedade, o desgaste será inevitável. O escândalo Waldomiro sacramenta uma realidade que já se mostrava bastante clara. Estreitam-se dramaticamente as chances de que algo de mais substancioso venha efetivamente a mudar.


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