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Votos em reais
FILIPE CAMPANTE
Um sistema fundado em contribuições de pessoas físicas propõe uma saída entre a promiscuidade atual e o financiamento público
QUASE 37 MILHÕES de eleitores
norte-americanos já se manifestaram, com seus votos durante as prévias, sobre aqueles que
pretendem ou pretenderam disputar
a Presidência dos EUA. O próximo
presidente terá passado pelo crivo
desses e de mais muitos outros milhões de cidadãos antes mesmo da
eleição propriamente dita. Mais ainda, como salientado em recente reportagem de Fernando Rodrigues
nesta Folha ("Pequenas doações batem recorde neste ano", Mundo,
10/2), centenas de milhares de eleitores terão contribuído para o financiamento da campanha que o terá levado à vitória e das dos seus oponentes.
Como poderíamos atingir no Brasil
esse nível de envolvimento político,
com o saudável fortalecimento da democracia que ele engendra? Como
aprofundar a participação dos cidadãos para além do voto obrigatório no
dia da eleição?
Uma resposta para esse dilema pode estar exatamente na questão do financiamento de campanha. Trata-se,
mais precisamente, da adoção de um
sistema baseado em contribuições individuais. É sabido que o custo das
campanhas eleitorais no Brasil tem
alcançado níveis antes inimagináveis
-que o digam os mais de R$ 80 milhões gastos na campanha do presidente Lula em 2006. Esse custo tem
sido em larga medida coberto por
doações de empresas, o que por sua
vez dá origem a muita discussão sobre como conter a influência excessiva desses financiadores e a promiscuidade que disso resulta. Infelizmente, essa discussão -quando não
descambando em soluções apressadas e de cunho autoritário, como a
proibição de certos tipos de evento de
campanha- tem parado no beco sem
saída do financiamento público. Afinal de contas, o contribuinte demonstra justificável receio de repassar seus impostos para um sistema
sobre o qual ele não exerce qualquer
controle direto.
Um sistema fundado em contribuições de pessoas físicas propõe uma
saída entre a promiscuidade atual e o
financiamento público, ao fazer uso
da necessidade de recursos dos partidos para dar-lhes incentivos para mobilizar e responder às preocupações
dos cidadãos. Consideremos, por
exemplo, o sistema norte-americano,
assim simplificado: apenas indivíduos podem doar dinheiro para campanhas, e as empresas limitam-se a
organizar "comitês de ação política",
com o objetivo de arrecadar doações
individuais e repassá-las aos candidatos. A opção de financiamento público existe para estes, mas com o montante de recursos condicionado ao
volume que conseguirem obter junto
aos cidadãos. Os partidos têm, portanto, um forte incentivo a buscar e
mobilizar os doadores individuais
-vale dizer, os eleitores-, e os recursos vindos destes mantêm sob controle a influência promíscua das doações de empresas, cuja motivação
tende a ser menos transparente do
que a do eleitor comum.
É importante notar que não estamos falando de contribuições de milionários. Como há um limite às doações de um indivíduo para cada candidato (atualmente de US$ 2.300 por
ciclo eleitoral), a influência de qualquer indivíduo fica também limitada.
O caso dos EUA mostra que muitas
das doações são de apenas um punhado de dólares, e a campanha de Barack Obama prova que pode ser vantajoso montar uma base ampla de pequenos doadores, fornecendo recursos ao longo de meses sem atingir o teto individual. Tendo isso em mente,
é mais fácil dirimir um eventual ceticismo em relação à implementação
de um sistema de doações individuais
no Brasil, baseado no fato de que o
eleitor brasileiro típico, com menos
dinheiro à disposição do que o norte-americano, teria menos recursos a
despender em política.
É claro que o desenho do sistema
teria de considerar a questão da
transparência, exigindo a divulgação
das doações e combatendo o caixa
dois, mas é difícil imaginar que ele
não seria muito mais transparente do
que o atual. Com efeito, partidos obrigados a buscar recursos junto aos
eleitores poderiam até mesmo ser
forçados a reformular mais profundamente o sistema vigente, no qual
tipicamente as pessoas cujas vozes
são ouvidas no processo pré-eleitoral
de um partido podem facilmente ser
reunidas no apartamento de algum
figurão da liderança, e o número de
indivíduos envolvidos com o financiamento das campanhas não chega a
cinco dígitos.
FILIPE CAMPANTE, 29, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), é professor de políticas públicas na
Escola de Governo John F. Kennedy de Harvard.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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