São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

A terapia do susto

RIO DE JANEIRO - Sempre ouvi dizer que um susto cura uma crise de soluços indesejados. Não parece, mas já houve até um papa que morreu numa crise dessas. Conheci o gerente de um restaurante em frente ao prédio onde morava o Magalhães Jr. Numa noite de chuva e de posse na Academia Brasileira de Letras, Magalhães vestiu o fardão com tudo a que tinha direito, chapéu napoleônico, espadim e uma enorme capa preta, sendo ele pequenino, a capa roçava o chão.
O tal gerente entrou numa dessas crises de soluço, deram-lhe os sustos possíveis, sacos de armazém inflados que estouravam quando ele menos esperava. Nada feito. De repente, ele vê o Magalhães Jr. uniformizado no meio da noite e da chuva. Os soluços passaram e nunca mais voltaram.
Outro exemplo: tive uma empregada guatemalteca que entrou em crise e não parava de soluçar. Inventei os sustos de praxe, não deu certo, decidi levá-la ao hospital Miguel Couto.
Era época pré-carnavalesca e ao virar uma esquina, demos com um carro de trio elétrico ali enguiçado desde a véspera. A chuva desmanchara as cores e as alegorias. Parecia um dinossauro desativado, e como as vítimas de crimes sexuais, em adiantado estado de decomposição.
A moça ia ao meu lado, gemendo e sofrendo a cada soluço que a fatigava. Inesperadamente, viu aquele monstro horrendo, exagerado nas cores desbotadas, sem forma nem conteúdo que ela tivesse visto alguma vez na Guatemala natal. Ela não pediu nem eu dei explicações, estava preocupado com os soluços.
Soluços que pararam instantaneamente. Seus olhos esbugalhados e sua boca escancarada revelavam um pavor igual ao do gerente de restaurante que viu o Magalhães Jr., em uniforme de gala. Nunca mais tive dúvida sobre a eficácia do susto em certos casos.


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