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JOSÉ SARNEY
Os dez anos de Menem
Criou-se o sonho, aqui na América Latina e também nos países
do Leste Europeu, antigos participantes da extinta União Soviética, de que a
plenitude da democracia e a prosperidade viriam logo depois da volta do
Estado de Direito, das liberdades, da
economia de mercado. Na América
Latina, a crença fundamental era que
todos os males vinham da presença
dos militares e que a volta desses aos
quartéis resolveria tudo.
No Leste Europeu, a questão estava
mais centrada na ideologia, e, assim, o
fim do comunismo seria o fim de todas as desgraças e imediatamente surgiria uma era de grande progresso. O
sonho do Leste era tornar-se igual ao
Oeste, isto é, aos países da Europa rica,
parceira do Primeiro Mundo. Criou-se até o silogismo que governou as lutas políticas locais: "Se não fosse o comunismo, seriamos como o Oeste". O
certo é que o comunismo acabou e
eles continuam distantes dos níveis de
vida da União Européia -nem se sabe se jamais os alcançarão.
Já na América Latina, a visão era o
Norte, isto é, ser igual aos americanos.
Ser igual aos americanos significava a
modernidade. O caminho, a internacionalização, seguir o modelo deles, a
receita deles. Esse ideal foi sintetizado
por Salinas de Gortari e por Carlos
Menem, que tinham o slogan "vamos
ingressar no Primeiro Mundo". E Fernando Collor, baseado nas idéias de
José Guilherme Merquior, falou em
"integração competitiva".
Infelizmente, essa visão simplista
das democracias restauradas, chamadas de democracias pobres, não funcionou. Várias teorias tentaram justificar o fracasso da aplicação do neoliberalismo.
A década de 80 foi chamada de a década perdida. Entre 1980 e 1985, o
crescimento da América Latina foi zero. De 1985 a 1990, foi de 1% -isto
porque o Brasil evitou que fosse negativo e no meu quinquênio cresceu
25%, média até hoje não alcançada
por nenhum dos governos que me sucederam. Na década de 80, contudo, a
democracia floresceu, cresceu na região. Já na década de 90, ela, em vez de
se aprofundar, regrediu e começou a
dar sinais de crise, disfarçados pela
cobertura internacional que recebeu
graças à abertura de nossos mercados
e à restrição das soberanias nacionais,
submetidas às regras que foram montadas para o modelo, que, sob o dogma da estabilidade necessária, criou a
exacerbação das diferenças e da concentração de renda de tal modo que o
Brasil, como nona economia mundial, está nos piores lugares da lista
das desigualdades sociais.
Na América do Sul, a democracia
entra em crise. Na Colômbia, com a
desintegração do país, incapacitado
de acabar a guerrilha. No Equador,
com as várias deposições e com a
atual tutoria militar. O Peru sofreu o
que sofreu. A Venezuela balança com
a teoria da democracia militar de Chávez. O Paraguai está sustentado pelo
aval do Brasil. A Argentina sofre o
caos político. E o Brasil?
Assisti à campanha da saída de Menem. Grande campanha, muito bem
feita. O mote era "dez anos que mudaram a Argentina".
Hoje, a Argentina saiu do sonho encantado e resta uma verdade: o fracasso da receita.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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