São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 2002

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JOSÉ SARNEY

Os dez anos de Menem

Criou-se o sonho, aqui na América Latina e também nos países do Leste Europeu, antigos participantes da extinta União Soviética, de que a plenitude da democracia e a prosperidade viriam logo depois da volta do Estado de Direito, das liberdades, da economia de mercado. Na América Latina, a crença fundamental era que todos os males vinham da presença dos militares e que a volta desses aos quartéis resolveria tudo.
No Leste Europeu, a questão estava mais centrada na ideologia, e, assim, o fim do comunismo seria o fim de todas as desgraças e imediatamente surgiria uma era de grande progresso. O sonho do Leste era tornar-se igual ao Oeste, isto é, aos países da Europa rica, parceira do Primeiro Mundo. Criou-se até o silogismo que governou as lutas políticas locais: "Se não fosse o comunismo, seriamos como o Oeste". O certo é que o comunismo acabou e eles continuam distantes dos níveis de vida da União Européia -nem se sabe se jamais os alcançarão.
Já na América Latina, a visão era o Norte, isto é, ser igual aos americanos. Ser igual aos americanos significava a modernidade. O caminho, a internacionalização, seguir o modelo deles, a receita deles. Esse ideal foi sintetizado por Salinas de Gortari e por Carlos Menem, que tinham o slogan "vamos ingressar no Primeiro Mundo". E Fernando Collor, baseado nas idéias de José Guilherme Merquior, falou em "integração competitiva".
Infelizmente, essa visão simplista das democracias restauradas, chamadas de democracias pobres, não funcionou. Várias teorias tentaram justificar o fracasso da aplicação do neoliberalismo.
A década de 80 foi chamada de a década perdida. Entre 1980 e 1985, o crescimento da América Latina foi zero. De 1985 a 1990, foi de 1% -isto porque o Brasil evitou que fosse negativo e no meu quinquênio cresceu 25%, média até hoje não alcançada por nenhum dos governos que me sucederam. Na década de 80, contudo, a democracia floresceu, cresceu na região. Já na década de 90, ela, em vez de se aprofundar, regrediu e começou a dar sinais de crise, disfarçados pela cobertura internacional que recebeu graças à abertura de nossos mercados e à restrição das soberanias nacionais, submetidas às regras que foram montadas para o modelo, que, sob o dogma da estabilidade necessária, criou a exacerbação das diferenças e da concentração de renda de tal modo que o Brasil, como nona economia mundial, está nos piores lugares da lista das desigualdades sociais.
Na América do Sul, a democracia entra em crise. Na Colômbia, com a desintegração do país, incapacitado de acabar a guerrilha. No Equador, com as várias deposições e com a atual tutoria militar. O Peru sofreu o que sofreu. A Venezuela balança com a teoria da democracia militar de Chávez. O Paraguai está sustentado pelo aval do Brasil. A Argentina sofre o caos político. E o Brasil?
Assisti à campanha da saída de Menem. Grande campanha, muito bem feita. O mote era "dez anos que mudaram a Argentina".
Hoje, a Argentina saiu do sonho encantado e resta uma verdade: o fracasso da receita.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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