São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SERRA

O grande problema

O problema econômico e social número um do Brasil chama-se desemprego. É econômico, porque supõe recursos produtivos ociosos. É social, porque castiga o padrão de vida das famílias mais pobres, desmoraliza psicologicamente pessoas saudáveis e aptas para o trabalho, compromete o futuro dos jovens.
Convém ter presente que uma taxa de 11% de desocupação no Brasil é muito mais grave do que na Espanha ou na Alemanha, por exemplo, pois, nesses países, as famílias têm renda mais elevada, e os governos, mais dinheiro para auxiliar os desempregados. Além disso, no Brasil, sendo mais desesperadora a condição da maioria dos desempregados, muitos aceitam ocupações precárias, ganhando muito pouco e tornando-se subocupados ou desempregados disfarçados, situações que as estatísticas de desemprego não captam adequadamente. Ou seja, 11% de desemprego aqui significa que temos, proporcionalmente, mais desempregados do que num país desenvolvido que exiba a mesma taxa.
No Brasil, desde os anos 90, não foi pequeno o esforço para proteger os desempregados ou minorar os efeitos do desemprego sobre as condições de vida das famílias: seguro-desemprego, treinamento com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, bolsa-educação, bolsa-alimentação, erradicação do trabalho infantil, auxílio-gás, programa de saúde da família. Enfim, uma vasta rede de proteção social, que foi a principal realização do governo Fernando Henrique.
Tais programas tiveram um impacto social positivo, mas foram financiados, é preciso ressaltar, por aumentos da carga tributária. De agora em diante, e esta é uma das restrições que o governo Lula não entendeu até agora, não há condições de aumentar mais essa carga. Ainda é possível racionalizar os programas, consolidá-los, melhorar sua focalização, como o governo Fernando Henrique já vinha fazendo. Mas o impacto dessas medidas será cada vez mais limitado.
O que o país precisa, agora mais do que nunca, é gerar empregos diretamente. E isso depende, sobretudo, de crescimento econômico sustentado. Não acreditem os leitores nessa história fatalista de que a globalização é incompatível com a geração de empregos. Isso não vale nem sequer para os países desenvolvidos (vide os Estados Unidos nos anos Clinton), quanto mais para os subdesenvolvidos, como o Brasil, cuja disponibilidade e diversidade de recursos, inclusive de capacidade empresarial e força de trabalho, abrem uma imensa frente de oportunidades de investimentos.
É claro que há setores que podem criar mais empregos do que outros. Há cláusulas rígidas na legislação trabalhista, cuja remoção facilitaria a expansão do emprego sem atingir os direitos básicos dos trabalhadores. E há políticas de educação e qualificação essenciais para permitir o desenvolvimento de atividades dinâmicas para a economia e o emprego. Tudo isso é certo, mas não substitui a construção de um ambiente institucional e de políticas macroeconômicas adequadas ao crescimento.
Há formas tortas ou inteligentes de participar da globalização. O Brasil tem preferido as tortas. Corrigi-las exige mais do que discursos, aparelhamento partidário do Estado e boa publicidade. Requer clareza de objetivos, visão estratégica, competência administrativa, empenho diário. Ou seja, governo que governe.


José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O preço da fatura
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.