São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Pelas regras e contratos

RAYMUNDO MAGLIANO FILHO

A Bolsa de Valores de São Paulo, Bovespa, iniciou em 2002 uma campanha de popularização do mercado de capitais cujo objetivo é disseminar a cultura do investimento em ações. Trata-se de ampliar a base de acionistas, agregando o maior número possível de trabalhadores e pequenos investidores ao mercado. O objetivo final é contribuir para o financiamento das empresas em busca do crescimento e para a geração de novos empregos. A Bovespa está capacitada a cumprir esse papel. Tem tecnologia para dar segurança aos negócios e busca ser transparente, para preservar a confiança do mercado e da sociedade.
É natural que a Bolsa espere dos demais participantes -empresas, agências reguladoras, governos- a mesma preocupação com as regras e os contratos. Caso contrário, direitos serão atropelados e o mercado será prejudicado.
Por isso, a Bolsa manifesta seu temor diante das medidas tomadas pelo governo do Paraná, recentemente, em relação a concessionárias de rodovias nesse Estado. Tais medidas fazem "tabula rasa" das normas que regem o relacionamento estatal/privado, seja nas companhias abertas de economia mista, das quais o governo é o acionista controlador, seja diante das concessionárias particulares de serviços públicos.


Decretos de expropriação do capital votante de uma companhia aberta põem em xeque o valor do seu patrimônio


As mencionadas concessionárias, que administram cerca de 2.500 km de estradas no Paraná, sendo mais de 70% de origem federal, estão ameaçadas por atos do governo local, que alega serem abusivos os pedágios por elas cobrados.
Mediante convênio, a União delegara os trechos federais ao Paraná, com a condição expressa de que fossem concedidos à iniciativa privada. Ainda no ano passado, o governo paranaense fez aprovar uma lei autorizando-o a encampar os contratos de concessão firmados em 1997 com prazo de 24 anos. A encampação deve ser precedida de justa indenização. Mas as operadoras e o Estado não chegaram a um valor para a indenização pelos investimentos em obras e o lucro cessante projetado para o período total da concessão.
Com a questão sub judice, o governo do Paraná conseguiu do Ministério dos Transportes, em agosto passado, um aditivo ao convênio de delegação, pelo qual o Estado adquiriu a prerrogativa de explorar diretamente estradas federais no Paraná.
Em janeiro passado, invocando a Constituição e o decreto lei nš 3.365, de 1941, o governador declarou "de utilidade pública, para fins de desapropriação e aquisição do controle acionário, 100% das ações com direito a voto" de cinco das seis concessionárias que atuam no Paraná. A desapropriação afronta o espírito, quando não a letra dos compromissos assumidos, e constitui motivo de alarme para os agentes econômicos cujas atividades envolvem parcerias com a área pública.
É óbvio que isso é do que menos precisa um país que clama por empregos e demanda bilhões de dólares em investimentos em infra-estrutura, que o Tesouro, por si só, não tem a menor condição de aportar. Menos óbvio, porém não menos grave, é o efeito desse tipo de atitude sobre o mercado acionário, instrumento fundamental para a transformação de poupança em investimento produtivo.
Quando se fala em dotar o Brasil de regras seguras e estáveis para o jogo entre atores públicos e privados, raramente se mencionam os 5 milhões a 8 milhões de brasileiros que têm parte do seu patrimônio aplicado em ações ou em fundos que investem em ações. Se um governante atropela contratos e garantias oficiais, que confiança investidores e acionistas podem ter no futuro das empresas em que aplicaram as suas reservas, quando aquelas transacionam com algum segmento da área estatal? E qual o crédito que hão de merecer tais garantias? Decretos de expropriação do capital votante de uma companhia aberta, como ocorreu no Paraná, põem em xeque o valor do seu patrimônio (medido pela cotação das respectivas ações).
No caso das companhias de capital misto, tornam os detentores de ações preferenciais (sem direito a voto) sócios menores de um controlador dotado de recursos desproporcionais de poder -por se tratar do Estado.
O controlador de uma companhia aberta, empresário privado ou agente do Estado, tem de levar em conta as legítimas expectativas e as posições dos acionistas minoritários. Disso depende a confiabilidade e a credibilidade do sistema.
Há uma contradição entre as ocorrências registradas no Paraná, de um lado, e o marco regulatório prometido pelo Ministério dos Transportes para o seu novo programa de licitações, de outro. Enquanto essa contradição persistir, a insegurança do investidor prevalecerá sobre a confiabilidade do modelo. Nossa esperança é que prevaleça a posição do ministério, que recentemente solicitou a participação da Bovespa na etapa inaugural do novo programa de concessão de rodovias federais. A expectativa é que o novo modelo não apenas defina com a máxima clareza os direitos e obrigações das partes envolvidas, mas também contenha mecanismos destinados a assegurar que o concedente seguirá à risca os contratos firmados.
Um sinal de que a área de transportes parece ciente do imperativo de conquistar para o programa a confiança dos agentes econômicos está na decisão de incumbir a Bovespa de validar a documentação das empresas interessadas na licitação e de realizar o respectivo leilão.
Que o bom senso prevaleça e o marco regulatório seja respeitado -essa a expectativa da Bolsa e também dos milhões de investidores brasileiros que acreditam em nosso mercado.

Raymundo Magliano, 61, administrador de empresas, é o presidente da Bovespa.


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