São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Pelas regras e contratos
RAYMUNDO MAGLIANO FILHO
As mencionadas concessionárias, que administram cerca de 2.500 km de estradas no Paraná, sendo mais de 70% de origem federal, estão ameaçadas por atos do governo local, que alega serem abusivos os pedágios por elas cobrados. Mediante convênio, a União delegara os trechos federais ao Paraná, com a condição expressa de que fossem concedidos à iniciativa privada. Ainda no ano passado, o governo paranaense fez aprovar uma lei autorizando-o a encampar os contratos de concessão firmados em 1997 com prazo de 24 anos. A encampação deve ser precedida de justa indenização. Mas as operadoras e o Estado não chegaram a um valor para a indenização pelos investimentos em obras e o lucro cessante projetado para o período total da concessão. Com a questão sub judice, o governo do Paraná conseguiu do Ministério dos Transportes, em agosto passado, um aditivo ao convênio de delegação, pelo qual o Estado adquiriu a prerrogativa de explorar diretamente estradas federais no Paraná. Em janeiro passado, invocando a Constituição e o decreto lei nš 3.365, de 1941, o governador declarou "de utilidade pública, para fins de desapropriação e aquisição do controle acionário, 100% das ações com direito a voto" de cinco das seis concessionárias que atuam no Paraná. A desapropriação afronta o espírito, quando não a letra dos compromissos assumidos, e constitui motivo de alarme para os agentes econômicos cujas atividades envolvem parcerias com a área pública. É óbvio que isso é do que menos precisa um país que clama por empregos e demanda bilhões de dólares em investimentos em infra-estrutura, que o Tesouro, por si só, não tem a menor condição de aportar. Menos óbvio, porém não menos grave, é o efeito desse tipo de atitude sobre o mercado acionário, instrumento fundamental para a transformação de poupança em investimento produtivo. Quando se fala em dotar o Brasil de regras seguras e estáveis para o jogo entre atores públicos e privados, raramente se mencionam os 5 milhões a 8 milhões de brasileiros que têm parte do seu patrimônio aplicado em ações ou em fundos que investem em ações. Se um governante atropela contratos e garantias oficiais, que confiança investidores e acionistas podem ter no futuro das empresas em que aplicaram as suas reservas, quando aquelas transacionam com algum segmento da área estatal? E qual o crédito que hão de merecer tais garantias? Decretos de expropriação do capital votante de uma companhia aberta, como ocorreu no Paraná, põem em xeque o valor do seu patrimônio (medido pela cotação das respectivas ações). No caso das companhias de capital misto, tornam os detentores de ações preferenciais (sem direito a voto) sócios menores de um controlador dotado de recursos desproporcionais de poder -por se tratar do Estado. O controlador de uma companhia aberta, empresário privado ou agente do Estado, tem de levar em conta as legítimas expectativas e as posições dos acionistas minoritários. Disso depende a confiabilidade e a credibilidade do sistema. Há uma contradição entre as ocorrências registradas no Paraná, de um lado, e o marco regulatório prometido pelo Ministério dos Transportes para o seu novo programa de licitações, de outro. Enquanto essa contradição persistir, a insegurança do investidor prevalecerá sobre a confiabilidade do modelo. Nossa esperança é que prevaleça a posição do ministério, que recentemente solicitou a participação da Bovespa na etapa inaugural do novo programa de concessão de rodovias federais. A expectativa é que o novo modelo não apenas defina com a máxima clareza os direitos e obrigações das partes envolvidas, mas também contenha mecanismos destinados a assegurar que o concedente seguirá à risca os contratos firmados. Um sinal de que a área de transportes parece ciente do imperativo de conquistar para o programa a confiança dos agentes econômicos está na decisão de incumbir a Bovespa de validar a documentação das empresas interessadas na licitação e de realizar o respectivo leilão. Que o bom senso prevaleça e o marco regulatório seja respeitado -essa a expectativa da Bolsa e também dos milhões de investidores brasileiros que acreditam em nosso mercado. Raymundo Magliano, 61, administrador de empresas, é o presidente da Bovespa. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cláudio Baldino Maciel: Governo sem controle Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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