São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Luiz de Freitas Bueno

Morreu no dia 7/3/2006, aos 84 anos, o professor Luiz de Freitas Bueno. Formado em engenharia pelo Mackenzie, foi o primeiro professor de estatística geral e econômica da FEA-USP. Inteligente, simpático e generoso, criou uma enorme legião de amigos e foi o grande inspirador da orientação quantitativa no estudo da economia -que até hoje é uma importante característica da FEA-USP.
Como todos os nomeados no momento da instalação da escola, ele era um autodidata com alguma proficiência na estatística elementar. As exceções eram dois magníficos professores: Paul Hugon, importado da França para ministrar o curso de introdução à economia, e Wilfred L. Stevens, vindo da Inglaterra (via Portugal), que introduziu no Brasil a estatística fisheriana.
Nomeado, Bueno tratou de aprofundar-se no estudo da economia e da estatística. Em 1946, no campo da economia, existiam dois manuais: um americano (Frank A. Fetter, "The Principles of Economics", 1904) e outro inglês (Alfred Marshall, "Principles of Economics", 1890), com dezenas de reedições que dominaram durante décadas o ensino. O primeiro, mais institucional, sem nenhum uso da matemática (com apenas um gráfico), foi o mais utilizado nos EUA até o aparecimento do revolucionário "Economics" (1948), de Samuelson, que chegou ao Brasil no início dos anos 50.
O segundo é o clássico que revolucionou o ensino da economia no mundo. Marshall era originalmente professor de matemática e acrescentou ao livro um apêndice matemático que seduziu completamente o professor Bueno. "Tudo está em Marshall", dizia-se em Cambridge e aceitava-se no Brasil... Depois, ele se rendeu aos italianos (Pareto e Amoroso) e a Walras, que construíram uma teoria econômica cópia da física clássica.
Na estatística (depois de Stevens), ele abraçou a teoria fisheriana misturada com os avanços produzidos por Haavelmo na construção da econometria, à qual ficou preso definitivamente. Com essa formação, a "revolução keynesiana" era absolutamente ininteligível: ela chegou à FEA tardiamente, já nos anos 50, por via desidratada e matematizada, mas sem os seus ingredientes fundamentais, a incerteza e as expectativas.
Bueno foi, antes de tudo, um grande professor e um enorme ser humano: didático, preparava cuidadosamente suas aulas e as enriquecia com larga bibliografia. Montou uma excelente biblioteca, que hoje se encontra incorporada à da FEA.
Sua maior contribuição foi, certamente, a formação de um grupo de estudantes interessados no desenvolvimento da economia quantitativa insistindo sempre na modelagem de séries de tempo. Ele foi o primeiro professor da FEA a escolher como assistentes seus ex-alunos e a estimulá-los a avançar para além dos seus mestres. A alegria que sempre demonstrou pelo progresso de seus discípulos revelava a grandeza de seu espírito, avesso a qualquer sentimento de inveja.
O nome de Luiz de Freitas Bueno será sempre lembrado como um daqueles autodidatas que souberam superar sua condição, profissionalizando-se e profissionalizando várias gerações de economistas, fortalecendo o espírito de sua "alma mater" adotiva.
Ao velho Bueno, onde ele estiver, "Ex toto corde".


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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