|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Luiz de
Freitas Bueno
Morreu no dia 7/3/2006, aos 84
anos, o professor Luiz de Freitas
Bueno. Formado em engenharia pelo
Mackenzie, foi o primeiro professor
de estatística geral e econômica da
FEA-USP. Inteligente, simpático e generoso, criou uma enorme legião de
amigos e foi o grande inspirador da
orientação quantitativa no estudo da
economia -que até hoje é uma importante característica da FEA-USP.
Como todos os nomeados no momento da instalação da escola, ele era
um autodidata com alguma proficiência na estatística elementar. As exceções eram dois magníficos professores: Paul Hugon, importado da França
para ministrar o curso de introdução à
economia, e Wilfred L. Stevens, vindo
da Inglaterra (via Portugal), que introduziu no Brasil a estatística fisheriana.
Nomeado, Bueno tratou de aprofundar-se no estudo da economia e da
estatística. Em 1946, no campo da economia, existiam dois manuais: um
americano (Frank A. Fetter, "The
Principles of Economics", 1904) e outro inglês (Alfred Marshall, "Principles of Economics", 1890), com dezenas de reedições que dominaram durante décadas o ensino. O primeiro,
mais institucional, sem nenhum uso
da matemática (com apenas um gráfico), foi o mais utilizado nos EUA até o
aparecimento do revolucionário
"Economics" (1948), de Samuelson,
que chegou ao Brasil no início dos
anos 50.
O segundo é o clássico que revolucionou o ensino da economia no
mundo. Marshall era originalmente
professor de matemática e acrescentou ao livro um apêndice matemático
que seduziu completamente o professor Bueno. "Tudo está em Marshall",
dizia-se em Cambridge e aceitava-se
no Brasil... Depois, ele se rendeu aos
italianos (Pareto e Amoroso) e a Walras, que construíram uma teoria econômica cópia da física clássica.
Na estatística (depois de Stevens),
ele abraçou a teoria fisheriana misturada com os avanços produzidos por
Haavelmo na construção da econometria, à qual ficou preso definitivamente. Com essa formação, a "revolução keynesiana" era absolutamente
ininteligível: ela chegou à FEA tardiamente, já nos anos 50, por via desidratada e matematizada, mas sem os seus
ingredientes fundamentais, a incerteza e as expectativas.
Bueno foi, antes de tudo, um grande
professor e um enorme ser humano:
didático, preparava cuidadosamente
suas aulas e as enriquecia com larga
bibliografia. Montou uma excelente
biblioteca, que hoje se encontra incorporada à da FEA.
Sua maior contribuição foi, certamente, a formação de um grupo de estudantes interessados no desenvolvimento da economia quantitativa insistindo sempre na modelagem de séries de tempo. Ele foi o primeiro professor da FEA a escolher como assistentes seus ex-alunos e a estimulá-los
a avançar para além dos seus mestres.
A alegria que sempre demonstrou pelo progresso de seus discípulos revelava a grandeza de seu espírito, avesso a
qualquer sentimento de inveja.
O nome de Luiz de Freitas Bueno será sempre lembrado como um daqueles autodidatas que souberam superar
sua condição, profissionalizando-se e
profissionalizando várias gerações de
economistas, fortalecendo o espírito
de sua "alma mater" adotiva.
Ao velho Bueno, onde ele estiver,
"Ex toto corde".
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: Campeonato carioca Próximo Texto: Frases
Índice
|