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O espírito das águas é o espírito da Terra
JOÃO BOSCO SENRA
O Brasil, país que abriga 12% da reserva de água potável, tem dado exemplos mundiais para o uso mais racional das águas
"As águas para mim são sublimes. São o "espírito da Terra". Eu comparo a terra
com o corpo humano. O que o corpo humano possui? Ele tem as pequenas veias
que vão alimentando o coração. Como
as águas fazem? Têm as pequenas vertentes que vão para os igarapés. São as
veias da Terra."
(Florêncio de Carvalho)
DURANTE toda esta Semana
Mundial da Água, mais de cem
eventos em todo o país debatem o tema dos recursos hídricos,
seus múltiplos usos e as formas de sua
gestão. No Brasil, particularmente
neste início de século, quando a questão ambiental ganha contornos antes
inimagináveis, o debate sobre esse recurso fundamental à vida se ampliou
no movimento social, na área econômica e, em particular, nas agendas governamentais.
As recomendações da ONU estabelecidas nas Metas do Milênio, a participação e a cooperação das comunidades para o cumprimento dos objetivos da Política Nacional de Recursos
Hídricos e dos acordos dos quais o
Brasil participa, a exemplo das convenções mundiais da biodiversidade,
do clima e de combate à desertificação, têm significativas interações com
os recursos hídricos.
São compromissos que ganham
magnitude quando vêm a público as
preocupações recentemente divulgadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) em
seu quarto relatório. O texto confirma
as alterações climáticas em curso e de
longo prazo, em escala continental e
regional, as mudanças na temperatura e no gelo do Ártico, no volume de
precipitação das águas, na salinidade
do oceano, no comportamento das
massas de ar e nos eventos climáticos
críticos (como secas, tempestades,
ondas de calor e ciclones tropicais).
A conclusão dos pesquisadores é
que há 90% de probabilidade de as
mudanças climáticas estarem sendo
provocadas pela ação humana. Ora, se
a sociedade desencadeou esse processo, cabe a ela a responsabilidade no
direcionamento de novos rumos para
a sustentabilidade do planeta.
No panorama mundial, a gestão democrática e sustentável dos recursos
hídricos se coloca como questão crucial para todas as nações. Estima-se
que a população global deverá atingir
8,1 bilhões até 2030 e que a necessidade de alimentos no mundo deverá
crescer 55% em comparação a 1998.
Ao mesmo tempo, o mundo precisará
de mais água para saneamento básico,
produção de energia e atividades industriais e urbanas.
O Brasil, país que abriga 12% da reserva de água potável, ou quase 18% se
levada em conta parte das origens das
águas amazônicas em seu território,
tem dado exemplos mundiais para o
uso mais racional das águas. Um deles
foi a instituição, há dez anos, da lei nš
9.433, conhecida como Lei das Águas,
que criou a política e o sistema de gerenciamento de recursos hídricos.
Em 2006, em cumprimento à lei e
após dois anos e meio de construção
participativa, o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos aprovou, por unanimidade, o Plano Nacional de Recursos Hídricos, ou Plano de Águas do
Brasil, que prevê gestões e diretrizes
para o uso múltiplo desse recurso até
2020. Do diálogo relativo à gestão,
nasceram programas como o Água
Doce, que, por meio de dessalinizadores, aproveita as águas subterrâneas
salobras e salinas para consumo humano. Merece destaque a ação do
Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca, hoje modelo de ação
no país e para vários países que enfrentam problemas semelhantes.
Com o Programa de Despoluição de
Bacias, a União estimula o pagamento
por esgoto tratado a prestadores de
serviço de saneamento que investirem na implantação e operação de estações de tratamento de esgotos. O
Programa de Revitalização de Bacias,
de responsabilidade do Ministério do
Meio Ambiente, em parceria com
mais 14 ministérios, prevê a utilização
de R$ 1,6 bilhão do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) para os
próximos quatro anos.
No árduo caminho a percorrer, essas ações procuram mitigar ou contribuir na solução de problemas seculares geralmente provocados por políticas de desenvolvimento equivocadas,
hoje, finalmente, em reavaliação. Para avançar mais rapidamente, bastariam a reflexão e a mudança de comportamento apreendidas na sabedoria de mestre Florêncio. Para continuarem vivos, o espírito da Terra e o
nosso dependem apenas da transformação das atitudes de todos nós.
JOÃO BOSCO SENRA, 49, engenheiro, é secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. Foi secretário de Meio Ambiente de Belo Horizonte (1993-96).
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