São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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O espírito das águas é o espírito da Terra

JOÃO BOSCO SENRA

O Brasil, país que abriga 12% da reserva de água potável, tem dado exemplos mundiais para o uso mais racional das águas

"As águas para mim são sublimes. São o "espírito da Terra". Eu comparo a terra com o corpo humano. O que o corpo humano possui? Ele tem as pequenas veias que vão alimentando o coração. Como as águas fazem? Têm as pequenas vertentes que vão para os igarapés. São as veias da Terra."
(Florêncio de Carvalho)

DURANTE toda esta Semana Mundial da Água, mais de cem eventos em todo o país debatem o tema dos recursos hídricos, seus múltiplos usos e as formas de sua gestão. No Brasil, particularmente neste início de século, quando a questão ambiental ganha contornos antes inimagináveis, o debate sobre esse recurso fundamental à vida se ampliou no movimento social, na área econômica e, em particular, nas agendas governamentais.
As recomendações da ONU estabelecidas nas Metas do Milênio, a participação e a cooperação das comunidades para o cumprimento dos objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos e dos acordos dos quais o Brasil participa, a exemplo das convenções mundiais da biodiversidade, do clima e de combate à desertificação, têm significativas interações com os recursos hídricos.
São compromissos que ganham magnitude quando vêm a público as preocupações recentemente divulgadas pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) em seu quarto relatório. O texto confirma as alterações climáticas em curso e de longo prazo, em escala continental e regional, as mudanças na temperatura e no gelo do Ártico, no volume de precipitação das águas, na salinidade do oceano, no comportamento das massas de ar e nos eventos climáticos críticos (como secas, tempestades, ondas de calor e ciclones tropicais).
A conclusão dos pesquisadores é que há 90% de probabilidade de as mudanças climáticas estarem sendo provocadas pela ação humana. Ora, se a sociedade desencadeou esse processo, cabe a ela a responsabilidade no direcionamento de novos rumos para a sustentabilidade do planeta.
No panorama mundial, a gestão democrática e sustentável dos recursos hídricos se coloca como questão crucial para todas as nações. Estima-se que a população global deverá atingir 8,1 bilhões até 2030 e que a necessidade de alimentos no mundo deverá crescer 55% em comparação a 1998.
Ao mesmo tempo, o mundo precisará de mais água para saneamento básico, produção de energia e atividades industriais e urbanas. O Brasil, país que abriga 12% da reserva de água potável, ou quase 18% se levada em conta parte das origens das águas amazônicas em seu território, tem dado exemplos mundiais para o uso mais racional das águas. Um deles foi a instituição, há dez anos, da lei nš 9.433, conhecida como Lei das Águas, que criou a política e o sistema de gerenciamento de recursos hídricos.
Em 2006, em cumprimento à lei e após dois anos e meio de construção participativa, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos aprovou, por unanimidade, o Plano Nacional de Recursos Hídricos, ou Plano de Águas do Brasil, que prevê gestões e diretrizes para o uso múltiplo desse recurso até 2020. Do diálogo relativo à gestão, nasceram programas como o Água Doce, que, por meio de dessalinizadores, aproveita as águas subterrâneas salobras e salinas para consumo humano. Merece destaque a ação do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, hoje modelo de ação no país e para vários países que enfrentam problemas semelhantes.
Com o Programa de Despoluição de Bacias, a União estimula o pagamento por esgoto tratado a prestadores de serviço de saneamento que investirem na implantação e operação de estações de tratamento de esgotos. O Programa de Revitalização de Bacias, de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, em parceria com mais 14 ministérios, prevê a utilização de R$ 1,6 bilhão do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para os próximos quatro anos.
No árduo caminho a percorrer, essas ações procuram mitigar ou contribuir na solução de problemas seculares geralmente provocados por políticas de desenvolvimento equivocadas, hoje, finalmente, em reavaliação. Para avançar mais rapidamente, bastariam a reflexão e a mudança de comportamento apreendidas na sabedoria de mestre Florêncio. Para continuarem vivos, o espírito da Terra e o nosso dependem apenas da transformação das atitudes de todos nós.


JOÃO BOSCO SENRA, 49, engenheiro, é secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. Foi secretário de Meio Ambiente de Belo Horizonte (1993-96).

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