São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

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MARCOS NOBRE

América Latina

COM A VITÓRIA de Fernando Lugo no Paraguai, completa-se um amplo ciclo de mudanças de governo na América Latina. Nos últimos 25 anos, foram desalojadas máquinas partidárias e ditaduras que perduraram por muitas décadas.
Nos anos 1990, a alternativa disponível foi em geral entre governos que realizaram reformas econômicas liberalizantes e uma oposição que não tinha um programa político muito claro. Nos anos 2000, com a vitória de forças de oposição, a agenda de reformas passou a incorporar mecanismos mínimos de distribuição de renda e a ampliação de direitos de participação política.
Isso só foi possível porque eleições e instituições democráticas mínimas duraram o suficiente para consolidar posições de situação e de oposição. Porque direitos políticos e uma cultura política democrática passaram a alcançar uma população pobre tradicionalmente marginalizada.
Em geral se diz que são mudanças de esquerda. Mas o que se tem de fato são renovações e ampliações da elite política, com o aparecimento de alternativas de governo reformistas.
A situação atual é de profunda divisão em muitos países. A Bolívia está perto de uma secessão. A Argentina tem um governo sob forte e constante ataque. O Equador está em um beco sem saída do ponto de vista econômico. Na Venezuela, a divisão é de tal ordem que muito dificilmente alcançará um equilíbrio durante o governo de Chávez.
O Paraguai vai provavelmente se somar a essa lista.
Feito o registro dos governos de direita de Colômbia e México, a imagem que vem da imprensa européia e norte-americana dá o Brasil como exceção, porque seria um governo de esquerda "sensato".
Mas o que aconteceu de fato foi que Lula optou por compor com forças políticas tradicionais.
E isso não só porque pretendia ter maioria parlamentar. Antes de tudo, porque avaliou que não dispunha de quadros suficientes para governar, mesmo recorrendo a todos os sindicalistas disponíveis.
Nos países hoje profundamente divididos, ocorreu justamente o contrário: a formação de uma nova elite deu-se em larga medida à margem do campo político tradicional. Isso ajuda a explicar por que as diferenças entre oposição e situação parecem hoje tão pouco nítidas no Brasil, enquanto são fortemente marcadas na maioria dos demais países do continente.
É difícil dizer qual dos dois caminhos é o menos pior para a democracia e para o estabelecimento de padrões de distribuição de renda minimamente decentes. Mas conseguir deixar para trás ditaduras e partidos únicos já é um enorme avanço.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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