São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Aliados em Viena

A Áustria é um país pequeno, tradicionalmente na vanguarda da democracia social na Europa. O Partido Social Democrata (antigo Partido Socialista) é o maior do país. Está hoje, porém, na oposição a um governo de centro-direita, preparando-se para as eleições em que espera ser reconduzido ao poder. Sob seu novo presidente, Alfred Gusenbauer, o partido aproveita seu tempo na oposição para reinventar-se. A convite de Gusenbauer, acabo de passar alguns dias em Viena, discutindo com os dirigentes do partido e com a bancada parlamentar o rumo da centro-esquerda na Áustria e na Europa.
No pós-guerra, a social-democracia européia abandonou a tentativa de reorganizar a economia e o Estado. Ganhou, em troca, o poder de atenuar as desigualdades por meio de políticas sociais e as inseguranças econômicas por meio de garantias a trabalhadores e a pequenos empresários. É um sistema que agora se exaure.
Sob pressão da concorrência européia e mundial, enfraquecem-se muitas garantias para manter o que se julga essencial: um alto nível de direitos à educação, à saúde e à previdência. Está condenada a centro-esquerda a apenas humanizar o programa que se convencionou chamar de "neoliberal"? Ou pode recuperar o seu potencial transformador com um projeto de reorganização da produção e da política? Foi esse o foco do debate em Viena.
A alternativa que discutimos obedece a cinco diretrizes. Assegurar a todo cidadão um patrimônio mínimo para financiar suas primeiras iniciativas e o direito de voltar à escola, com apoio público, a cada cinco a dez anos, para renovar conhecimentos e capacidades. Organizar formas de coordenação estratégica descentralizada e experimental entre o Estado e as empresas que sirvam tanto para acelerar a reorganização das velhas indústrias quanto para ampliar a base social de ingresso na "nova economia". (Ao contrário do keynesianismo, esse projeto intervém mais no lado da oferta do que no lado da demanda). Abrir canais diretos entre a poupança e a produção, impedindo que os grandes bancos gozem de veto sobre empreendimentos e inovações. Exercer, por meio de parcerias entre o Estado e grupos comunitários, a responsabilidade de tomar conta das crianças, dos velhos e dos necessitados, até mesmo através de um serviço social obrigatório para todos. E inaugurar práticas de engajamento popular nas decisões coletivas e de acesso aos meios de comunicação que abram, em favor de partidos, movimentos e associações, os instrumentos de uma política mobilizadora.
O objetivo é colocar a democracia social do lado das forças inconformadas, impacientes e criadoras, voltando ao terreno de que a social-democracia conservadora se retirou -a produção e a política. As palavras de ordem são: capacitações para todos em vez de privilégios para alguns; democratização em vez de regulamentação do mercado; aprofundamento em vez de burocratização da democracia; mobilização dos recursos nacionais para a produção em vez de busca da confiança dos mercados financeiros e participação de todos, tanto em atividades produtivas quanto em atividades sociais, em vez de mera transferência do dinheiro que sobra para as pessoas que sobram. Um programa como esse não é mais luxo de país rico. É, para qualquer país, com os ajustes exigidos por cada circunstância, condição de independência, vigor e justiça.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Quem?
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.