|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Aliados em Viena
A Áustria é um país pequeno,
tradicionalmente na vanguarda
da democracia social na Europa. O
Partido Social Democrata (antigo Partido Socialista) é o maior do país. Está
hoje, porém, na oposição a um governo de centro-direita, preparando-se
para as eleições em que espera ser reconduzido ao poder. Sob seu novo
presidente, Alfred Gusenbauer, o partido aproveita seu tempo na oposição
para reinventar-se. A convite de Gusenbauer, acabo de passar alguns dias
em Viena, discutindo com os dirigentes do partido e com a bancada parlamentar o rumo da centro-esquerda na
Áustria e na Europa.
No pós-guerra, a social-democracia
européia abandonou a tentativa de
reorganizar a economia e o Estado.
Ganhou, em troca, o poder de atenuar
as desigualdades por meio de políticas
sociais e as inseguranças econômicas
por meio de garantias a trabalhadores
e a pequenos empresários. É um sistema que agora se exaure.
Sob pressão da concorrência européia e mundial, enfraquecem-se muitas garantias para manter o que se julga essencial: um alto nível de direitos à
educação, à saúde e à previdência. Está condenada a centro-esquerda a
apenas humanizar o programa que se
convencionou chamar de "neoliberal"?
Ou pode recuperar o seu potencial
transformador com um projeto de
reorganização da produção e da política? Foi esse o foco do debate em Viena.
A alternativa que discutimos obedece a cinco diretrizes. Assegurar a todo
cidadão um patrimônio mínimo para
financiar suas primeiras iniciativas e o
direito de voltar à escola, com apoio
público, a cada cinco a dez anos, para
renovar conhecimentos e capacidades. Organizar formas de coordenação estratégica descentralizada e experimental entre o Estado e as empresas
que sirvam tanto para acelerar a reorganização das velhas indústrias quanto para ampliar a base social de ingresso na "nova economia". (Ao contrário
do keynesianismo, esse projeto intervém mais no lado da oferta do que no
lado da demanda). Abrir canais diretos entre a poupança e a produção,
impedindo que os grandes bancos gozem de veto sobre empreendimentos
e inovações. Exercer, por meio de parcerias entre o Estado e grupos comunitários, a responsabilidade de tomar
conta das crianças, dos velhos e dos
necessitados, até mesmo através de
um serviço social obrigatório para todos. E inaugurar práticas de engajamento popular nas decisões coletivas
e de acesso aos meios de comunicação
que abram, em favor de partidos, movimentos e associações, os instrumentos de uma política mobilizadora.
O objetivo é colocar a democracia
social do lado das forças inconformadas, impacientes e criadoras, voltando
ao terreno de que a social-democracia
conservadora se retirou -a produção
e a política. As palavras de ordem são:
capacitações para todos em vez de privilégios para alguns; democratização
em vez de regulamentação do mercado; aprofundamento em vez de burocratização da democracia; mobilização dos recursos nacionais para a produção em vez de busca da confiança
dos mercados financeiros e participação de todos, tanto em atividades produtivas quanto em atividades sociais,
em vez de mera transferência do dinheiro que sobra para as pessoas que
sobram. Um programa como esse não
é mais luxo de país rico. É, para qualquer país, com os ajustes exigidos por
cada circunstância, condição de independência, vigor e justiça.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Quem? Próximo Texto: Frases
Índice
|