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TENDÊNCIAS/DEBATES
Respeito, senhores do Parlamento!
ROBERTO ROMANO
"As palavras são os rastros da
razão." Este dito é de Francis Bacon, quando lutava pelo incremento do
saber moderno.
Ele também gerou o célebre aforismo
"knowledge and power meet in one",
que entre nós se reduziu ao tolo "saber é
poder". Não é isso o que pretende Bacon. Na sua idéia, os conhecimentos devem ser prestigiados pelos que mandam
no Estado, para que a potência dessa
instituição se amplie ao máximo. O fim
da política é assegurado pela ciência, independentemente dos embustes parlamentares ou demagógicos.
Bacon iniciou, com essa premissa, a
rigorosa tradição de análise lógica em
falas ou escritos. Esse procedimento seguiu do século 16 à nossa época, corrigindo a distorção das palavras, o seu
emprego ambíguo na retórica. Hobbes,
com o cauteloso exame dos termos que
denotam a paixão na política, no início
do "Leviatã", seguiu a via baconiana,
dando-lhe maior aprumo.
Lembranças assim atingem a nossa alma quando ouvimos políticos brasileiros torturando vocábulos técnicos da filosofia política ("razão de Estado" ,"ética da responsabilidade" e outros), dando à erística o dom de ludibriar os ignaros, envaidecendo quem julga possuir
usucapião do poder e da verdade.
No Parlamento federal, lugar onde seria preciso falar em nome dos povos,
verbo e decoro são frágeis. Certa feita
escrevi, nesta Folha, um artigo intitulado "O prostíbulo risonho" (6/9/93). Nele eu não me referia apenas aos atos sem
pudor impostos à nação, mas também
às palavras, monstros sonoros emitidos
na tribuna. Se, para Francis Bacon, os
vocábulos marcam a razão, os impropérios de nossos parlamentares indicam
descontrole grave e falta de domínio
emocional.
Eles choram e insultam numa sincronia espantosa. Sua ira, para repetir o dito sábio, surge qual breve insânia. Em
seus discursos, "a frase é entrecortada,
as palavras são emitidas sem distinção,
como se fossem lamentos ou mugidos".
Esse diagnóstico vem de Sêneca ("De
Ira").
Ouvindo muitas arengas no Congresso Nacional, temos a desagradável impressão, errônea talvez, de que o partido
de Incitatus possui maioria parlamentar. Exemplo? Comentando a gravíssima denúncia, feita pelos mais reconhecidos juristas de nossa terra, apresentada do modo previsto na lei ao Parlamento, o líder Arthur Virgílio (PSDB-AM) criticou aquela ação e afirmou que
o PT está envolvido na iniciativa.
"Eu não posso dizer que seja um partido criativo"; e conclui o "raciocínio":
"De tanta ação na Justiça, eles vão acabar virando o partido "data venia'".
("Consultor Jurídico", 20/5/2001).
Peço "data venia" para a única apreciação devida desta e de outras falas: é
pura grosseria mencionar assim algumas das pessoas a quem devemos boa
parte das nossas conquistas democráticas; é desacato à dignidade popular. Os
deputados apenas representam o cidadão e têm o dever de respeitá-lo.
Se os vocábulos marcam a razão, os impropérios de nossos parlamentares indicam falta de domínio emocional
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Nomes como Gofredo da Silva Telles,
impolutos, inteligentes, corajosos, sérios, recebem um mandato moral da sociedade civil, a base dos poderes políticos. No Brasil de hoje, senadores e deputados zombam das leis, debocham
dos cidadãos, aceitam calados o esbulho
de direitos constitucionais, sacralizam
confiscos.
Dos planos econômicos aos acréscimos de taxação, como a CPMF, cujos
recursos deveriam ser para a saúde pública, e a violência das punições no uso
da energia, covardemente aplicadas sobre os particulares, tudo é aceito pelos
representantes que não representam,
mas apenas barganham com o Executivo. E mais: violam painéis de votação,
difamam uma colega senadora, jogam
lama na República. E ainda exigem o título de "excelência"!
Esquecem que este é apenas um empréstimo temporário; "excelente" é o
povo soberano, a base única de todo o
poder.
Norberto Bobbio, comentando a situação política de sua terra em 1984, dizia melancólico: "Confesso que nunca
imaginei a vida italiana inquinada até
este ponto, em que não sabemos se o
certo é nos indignarmos pela baixa qualidade da intriga ou do grande número
de pessoas que a integram, pelo despudor de quem dirige o jogo ou insensibilidade dos que o aceitaram, dentre os
quais muitos são chamados, na retórica
oficial, servidores do Estado ("Il potere
in maschera")".
Com Berlusconi, tal fala seria ainda
mais negra. No Brasil, tenho certeza, ele
se calaria, pois não existem frases eloquentes o bastante para expressar a infâmia que reina no Parlamento e no
Executivo. Só existe um Estado, terminava Bobbio, o da Constituição republicana. "Fora dela, só existe o anti-Estado
que deve ser destruído, começando do
teto e chegando, se isso é possível, aos
fundamentos".
Nas próximas eleições,a cidadania
brasileira lembrará a lição do grande jurista.
Roberto Romano, 55, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
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