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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A reforma para crescer

ROBERTO NICOLSKY

Para crescer assegurando inclusão social, não podemos aceitar a média mundial de 2% a 3% ao ano. A renda per capita cresceria 0,8% anuais e, levando um século para dobrar, perpetuaria um quadro de inaceitáveis desigualdades. Para mudá-lo, devemos crescer no mínimo 5% ao ano e, se possível, 7% ou 8%. Para um país de industrialização tardia, como o nosso, essa meta é difícil, mas não impossível. A China cresce a 8% desde 1980. Coréia e Taiwan crescem mais de 7%, desde 1970. Mas nós mal chegamos a 2,5% anuais nos últimos 20 anos.
Para crescer acima da média, devemos aumentar nossa quota na economia e no comércio mundiais, ser mais competitivos. Isso não se obtém com produtos agropecuários convencionais, mesmo com eficiência na produção, porque encontrarão conhecidas e intransponíveis barreiras não-tarifárias. Isso ocorre com as commodities, até de manufaturados industriais, sobre cujos preços não temos controle.
O caminho é elevar a competitividade de produtos de alto valor agregado, nos setores dinâmicos, que crescem acima da média, como o fazem as economias orientais ativas. Para isso, devemos criar inovações desejadas pelos consumidores e integrá-las aos produtos, tornando-os mais competitivos, no país e no exterior, e elevando as exportações. Só as empresas, que produzem e atuam no mercado, podem fazê-lo.
Com a globalização, as empresas nacionais passaram a competir dentro do país com os importados. Para resistir, absorveram as inovações disponíveis no exterior. Isso fez as despesas com licenças tecnológicas crescerem de US$ 200 milhões, em 1992, para US$ 3 bilhões, em 2001. Mas o PIB só cresceu 25% no período.
Com essas licenças, a indústria nacional comprometeu 4% de sua receita. O setor produtivo dos países desenvolvidos gasta 2% do PIB para criar inovações, ou seja, as indústrias gastam 4%. Logo, a indústria nacional despende em inovações mais ou menos a mesma parcela de receita que o fazem as indústrias dos países desenvolvidos. Só que as nossas empresas não gastam em seus laboratórios ou programas de P&D (pesquisa e desenvolvimento).
Dizer que a indústria nacional não investe em inovação é incorreto e injusto. Ora, nunca tivemos o fomento direto à inovação na empresa, o que levou os produtores a recorrerem às licenças. Comprar inovações no exterior reduz o tempo, o gasto e o risco. Assim, a verba de inovações é gasta e agrava-se a dependência tecnológica, pois as empresas não têm recursos adicionais para P&D sob risco próprio.


A reforma para crescer e assegurar inclusão social é a mais difícil, pois não depende de lei, mas de cultura


É hora de induzir a indústria nacional a fazer P&D, dando-lhe, pelo menos, acesso direto aos recursos confiscados da indústria em nome do desenvolvimento tecnológico, que constituem os fundos setoriais. E, além disso, proporcionar parceria com o Estado no risco da P&D, como fazem os países que mais crescem. A OMC admite essa parceria até 75% do dispêndio em P&D.
Nós já o fizemos com empresas que eram ou são estatais, como Petrobras, Embraer, CSN etc. Hoje todas essas estatais ou privatizadas são "players" internacionais, porque desenvolveram a sua tecnologia. Mas, quando se trata de empresas não-estatais, há preconceito com parcerias. Esquece-se que nos dariam um crescimento sustentado, pois o Estado e a sociedade são o seu maior beneficiário.
Para a Petrobras, cada R$ 1 aplicado em P&D rende R$ 7 por ano, após cinco anos. Na empresa não-estatal análoga, se admitirmos o estímulo que a OMC permite, teríamos que cada R$ 0,75 do Estado mais R$ 0,25 da empresa, por cinco anos, dariam uma receita de R$ 7 anuais. Disso, o Estado teria R$ 2,33 (um terço) em tributos anuais, o que faz o seu dispêndio retornar em um ano e meio -uma taxa excepcional. A empresa teria por retorno o lucro líquido sobre receita, que, estimado em 5%, seria de R$ 0,35 ao ano, dando uma recuperação em quatro anos -uma boa taxa. A sociedade seria a maior beneficiária pela remuneração de ativos, insumos e salários.
Sem o estímulo estatal, o retorno para a empresa passaria a 14 anos, prazo que não justifica o risco de P&D próprios, recomendando o licenciamento. Perdem o Estado e a sociedade. Ganham os países desenvolvidos, que nos vendem as inovações. Esse é o nosso quadro industrial, com as exceções conhecidas: Petrobras, Embraer, Weg etc. É difícil listar cem empresas como essas, enquanto na Coréia já são cerca de 10 mil.
A reforma para crescer e assegurar inclusão social é a mais difícil, pois não depende de lei, mas de cultura. É a reforma da atitude, sem preconceito contra a empresa, não vendo-a apenas como fonte de tributos e "colaborações financeiras", mas como parceira cujo crescimento faz o avanço da sociedade, com emprego e renda. É claro que há donos de empresas que justificam a rejeição, mas, felizmente, a gestão empresarial é cada vez mais profissional.
Outro preconceito é com relação à tecnologia, que é vista como um tema de universidades. Tecnologia é o produto e o modo de produzir. "Tecnologia" de laboratório é, de fato, conhecimento. Tecnologia é assunto de produtores, que a inovam para atender aos consumidores. Essa nossa cultura é ibero-latina e, por isso, nenhum desses países é forte gerador de tecnologia.
O papel da universidade é outro. A universidade forma recursos humanos que vão fazer P&D nas empresas. Para isso, a universidade cria conhecimento e pesquisa aplicações, pois esse é o método que vai ensinar aos jovens como inovar produtos e processos nas empresas. Nos países que fazem tecnologia, as empresas empregam 70% ou mais dos pesquisadores. Mais ainda, a universidade deve pesquisar inovações tecnológicas em programas conduzidos por empresas, que são o agente econômico mais capacitado para atender ao consumidor e ao mercado. Muitas universidades já fazem, e bem, essas parcerias.
Essa reforma deve ser missão de governo, pois inovação tecnológica deve ser meta de todos os órgãos que lidam com a produção. Deve ser o eixo do planejamento estratégico, pois nenhum país de industrialização tardia alcançou a autonomia tecnológica sem forte atuação indutora do Estado, através da parceria com as empresas. Sem a reforma cultural da inovação tecnológica, não cresceremos a taxas que promovam a inclusão social, não teremos competitividade para agregar valor à exportação e ainda menos para enfrentar os elevados riscos da implantação da Alca.

Roberto Nicolsky, 65, físico, é professor da UFRJ e diretor-geral da Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica).


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