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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Empresários pelo desenvolvimento humano

VIVIANE SENNA

Desde a segunda metade dos anos 90, após a criação do Instituto Ayrton Senna, tenho vivido e acompanhado de perto o desempenho do mundo empresarial no enfrentamento das desigualdades sociais intoleráveis que fazem do Brasil uma nação ainda profundamente dividida entre cidadãos e subcidadãos, entre incluídos e excluídos.
Ao longo dessa relação, que tem sido para mim uma grande oportunidade de aprendizagem e de crescimento, tenho convivido com líderes empresariais, dirigentes de políticas públicas e membros de ONGs que atuam nos mais diversos campos. E isso tem me possibilitado uma compreensão crescente da magnitude e da complexidade dos problemas com que estamos lidando.
A primeira lição que pude aprender nessa caminhada foi a de que, mais do que diante do imperativo de mobilizar recursos financeiros e materiais para o enfrentamento da exclusão, nós estamos diante do desafio ético e político de convencer as lideranças das três grandes esferas da vida brasileira (governo, mundo empresarial e terceiro setor) a atuarem de forma convergente e intercomplementar no marco de um compromisso com a ética e a ótica da co-responsabilidade pelo todo.
A segunda lição é a de que o investimento social privado pode e deve ser cada vez mais um investimento social estratégico. Isso quer dizer que ele não pode se limitar às ações de curto prazo, ao apagar incêndios, mas deve se comprometer com horizontes temporais mais largos, tendo ainda a preocupação de saltar do micro para o macro e operar na lógica dos grandes números. Compõe ainda o perfil desse tipo de investimento o empenho em produzir conhecimento (tecnologias sociais) que possa ser disseminado entre os que se mobilizam nas mais diversas áreas, tendo o Brasil como causa.
A terceira e última lição refere-se ao lugar que o empenho pelo social, a chamada responsabilidade social corporativa, deve ocupar na estrutura de uma organização. Para uns, ela deve estar no marketing; para outros, na área de recursos humanos; para um terceiro grupo, no campo das relações institucionais. Para mim, no entanto, o lugar mais digno dessa preocupação é no coração e na mente dos líderes empresariais. Se ela não estiver aí, muito pouco valerá ela estar em outros lugares.
No dia 13 de maio último, essas idéias se concretizaram com uma plenitude e uma densidade até agora inéditas entre nós. Um grupo de líderes empresariais de diversos setores da economia brasileira reuniu-se com o presidente da República, o ministro da Educação e o governador de Pernambuco para anunciar a entrada em cena de um novo ator social: o movimento Empresários pelo Desenvolvimento Humano.


O investimento social privado pode e deve ser cada vez mais um investimento social estratégico


Trata-se de uma articulação de mais de 50 das mais expressivas lideranças empresariais, que decidiram atuar conjuntamente com as políticas públicas e uma organização do terceiro setor, em favor de uma causa e com base numa estratégia. Essa causa é o desenvolvimento do potencial das novas gerações por meio da educação. A estratégia é realizar investimentos de médio e longo prazos, atuando na lógica dos grandes números.
A ação escolhida pelo grupo para desencadear o movimento foi a eliminação do analfabetismo e da defasagem idade/série na rede pública de educação de Pernambuco. Nos próximos seis anos, mais de meio milhão de crianças e adolescentes serão beneficiados e R$ 90 milhões serão investidos nessa causa.
Mais do que nos números, porém, devemos nos deter na reflexão sobre a forma como tudo isso está ocorrendo. A constituição desse movimento social de tipo inteiramente novo é um acontecimento inédito no campo da responsabilidade social corporativa no Brasil e no mundo. Longe da retórica, das bravatas e dos debates estéreis, é na ação efetiva e concreta em favor dos excluídos que os espíritos de Porto Alegre e de Davos deverão se encontrar e trabalhar por um Brasil e por um mundo melhores. Esse, a meu ver, é o caminho para a construção da justiça, da solidariedade e da paz.

Viviane Senna, 45, psicóloga e empresária, é presidente do Instituto Ayrton Senna.


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