São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Legítima participação


PAULO SKAF


Não há mais razão para o atual monólogo ainda praticado no Conselho Monetário Nacional
O recente anúncio do BNDES de redução dos juros para créditos destinados a financiamento vai ao encontro dos anseios dos setores produtivos. A essência da pertinente medida é expressa com clareza em estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, que demonstrou que a queda de apenas um ponto percentual na TJLP (taxa de juros de longo prazo) implicaria aumento de R$ 1,1 bilhão nos financiamentos, o equivalente a 3.754 operações de crédito do BNDES. Embora a TJLP mantenha-se inalterada, a redução do "spread" dessa instituição deverá ter efeito prático.
O exemplo demonstra que o governo precisa auscultar mais as sugestões da sociedade, acolhendo medidas voltadas ao crescimento sustentado da economia, à multiplicação de empregos e ao desenvolvimento mais dinâmico. Nas poucas vezes em que tem ouvido as ponderações e sugestões advindas do chão de fábrica, dos estudos e pesquisas dos setores produtivos, os resultados sempre são positivos. Vejamos a questão da medida provisória 232, criticada por nós em seus pontos falhos desde a primeira hora. Embora à custa de imensa mobilização cívica das entidades de classe e da sociedade civil, o fato de a União ter desistido de aumentar os impostos teve impacto favorável no mercado. Foi bom para todos.
Também são importantes providências de caráter burocrático e administrativo, cujas conseqüências para as empresas nem sempre são percebidas pelos setores competentes do Estado. Há dois recentes e pontuais exemplos dessa natureza, relativos a medidas adotadas pela Receita Federal em atendimento a propostas da Fiesp: prorrogação, de 31 de janeiro para 10 de fevereiro de 2005, do prazo para o cumprimento das chamadas obrigações acessórias; e a autorização -às empresas que ainda não haviam obtido certificação digital-, para entrega diretamente em uma unidade daquele órgão, da Declaração (mensal) de Débitos e Créditos Tributários Federais, em março último. Ou seja, duas questões rotineiras, que em nada prejudicaram o governo, mas que, se não atendidas, resultariam em imenso transtorno e onerosas multas para milhares de empresas.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua primeira entrevista coletiva oficial à imprensa, no dia 29 último, fez saudável autocrítica quanto à incapacidade do governo de encontrar alternativas que não os juros altos para o controle da inflação. A declaração evidencia a importância de as autoridades de Brasília terem canais mais fluidos e diretos para ouvir as propostas da iniciativa privada. É justamente no tocante à relação juros x inflação que as forças produtivas brasileiras têm o mais rico conteúdo de sugestões ao governo, e em todos os níveis.
Voltando ao escopo da redução dos juros anunciada pelo BNDES, é importante salientar que essa medida atende parcialmente às recomendações do setor privado. Os ganhos de competitividade e de crescimento sustentado, bem como a redução das pressões inflacionárias, que se antagonizam na atual política econômica, têm seu ponto de harmonia, conciliação e congruência exatamente no crescimento em escala da produção e na queda de seu custo. E isso é estimulado pela redução dos juros do banco estatal de fomento, principal financiador da indústria, cujos recursos têm representado, em média, 12% da formação bruta de capital fixo. Redução das despesas de custeio do governo, juros menores, menos impostos e câmbio mais adequado são a síntese do que defende o setor privado.
Levando em conta toda a evidenciada necessidade de ampliar a atenção governamental à voz dos agentes da economia, cabe reiterar uma decisiva sugestão, defendida de forma sistemática e firme pela Fiesp, desde a posse da atual diretoria: o aumento dos membros do Conselho Monetário Nacional. Atualmente integram-no o presidente do Banco Central e os ministros da Fazenda e do Planejamento, todos membros do governo. A proposta, também incluída em documento do qual a Fiesp é signatária, ao lado da CUT e da CNI, é expandir para nove o número de integrantes, sendo mais dois representantes do governo, dois dos empresários e dois dos trabalhadores.
Considerando que são vários e importantes os aspectos definidos pelo CMN -das regras das operações de crédito imobiliário à meta de inflação do Banco Central, passando pelo ajuste trimestral da TJLP e atingindo o câmbio-, é imprescindível a participação de quem produz e trabalha nas análises e decisões do órgão.
A autoridade produtiva nada quer impor ao governo, eleito pelo voto soberano e livre dos brasileiros. Deseja apenas um espaço legítimo no principal organismo decisório da economia. Neste outono, quando lembramos 21 anos desde os memoráveis comícios do movimento das Diretas-Já, exige-se a participação mais ampla da sociedade civil nos destinos da nação. É um referendo que falta à maioridade institucional de nossa democracia. Não há mais razão para o atual monólogo ainda praticado no CMN.
Paulo Skaf, 49, empresário, é o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

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