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RAUL JUSTE LORES
Uma Berrini na cracolândia?
A CRACOLÂNDIA está na mira
de empreiteiras como Odebrecht e Gafisa para se
transformar em um bairro "revitalizado". É uma oportunidade rara
para São Paulo evitar uma nova
Berrini, uma Vila Olímpia ou um
Morumbi.
Empreiteiras gastaram bilhões
nesses bairros caros, e o subserviente poder público foi atrás, torrando milhões em túneis e vias expressas. O resultado é o pior que
São Paulo construiu em décadas.
Praças, árvores, bares com mesinhas em calçadas largas, gente na
rua, paquera, vitrines para se olhar.
Tudo aquilo que se admira em Buenos Aires, Rio de Janeiro, Londres
ou Nova York não se encontra na
Berrini e arredores. Ali, só zonas
mortas à noite e no fim de semana,
muros altos, calçadas estreitas,
sem comércio ou vida.
A culpa maior é de sucessivos
prefeitos que deixaram que assim
fosse. O Morumbi virou um treme-treme de rico, com dezenas de torres residenciais juntas, sem uma
loja embaixo, um boteco na esquina, onde cada apartamento tem
três carros e você precisa deles até
para comprar um pãozinho.
A Berrini virou um amontoado
de torres de escritórios, sem um
edifício residencial no meio, nem a
obrigação de locais comerciais no
térreo. Esse Urbanismo Tabajara
teve alvará porque o mercado manda. Mas o mercado que assedia a
cracolândia já demonstrou que não
sabe criar bairros.
Há o risco de que os atuais moradores da cracolândia sejam desterrados para rincões perdidos da cidade, onde jamais conseguirão emprego (ou vão preferir virar moradores de rua no centro).
Sem um plano diretor para a
área, que misture uso residencial,
empresarial, comercial e de entretenimento e que obrigue uma porcentagem de apartamentos populares e financiados, a cracolândia
pode virar outra Berrini.
É irônico que, enquanto a lengalenga da revitalização do centro se
arrasta, justamente na marginal
Pinheiros, na vizinhança da Daslu,
novos shoppings estejam em construção. São Paulo já tem mais de 70
shoppings. A cidade ficou pior ou
melhor nas últimas décadas, desde
que eles concentraram a diversão
da classe média e acabaram com o
comércio de rua? Londres e Nova
York proíbem shoppings. Por que
será?
Buenos Aires criou o Puerto Madero sobre escombros de armazéns
portuários, coisa que até Guayaquil, no Equador, conseguiu copiar.
São Paulo não consegue melhorar
alguns poucos quarteirões.
Vivemos uma era em que as indústrias criativas de ponta se instalam onde seus talentos queiram
morar. Se continuarmos a construir uma cidade tão inóspita e feia,
o dinheiro que criou Berrinis e
afins escolherá portos mais criativos e acolhedores.
RAUL JUSTE LORES é repórter de Mundo.
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