São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2007

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RAUL JUSTE LORES

Uma Berrini na cracolândia?

A CRACOLÂNDIA está na mira de empreiteiras como Odebrecht e Gafisa para se transformar em um bairro "revitalizado". É uma oportunidade rara para São Paulo evitar uma nova Berrini, uma Vila Olímpia ou um Morumbi.
Empreiteiras gastaram bilhões nesses bairros caros, e o subserviente poder público foi atrás, torrando milhões em túneis e vias expressas. O resultado é o pior que São Paulo construiu em décadas.
Praças, árvores, bares com mesinhas em calçadas largas, gente na rua, paquera, vitrines para se olhar.
Tudo aquilo que se admira em Buenos Aires, Rio de Janeiro, Londres ou Nova York não se encontra na Berrini e arredores. Ali, só zonas mortas à noite e no fim de semana, muros altos, calçadas estreitas, sem comércio ou vida.
A culpa maior é de sucessivos prefeitos que deixaram que assim fosse. O Morumbi virou um treme-treme de rico, com dezenas de torres residenciais juntas, sem uma loja embaixo, um boteco na esquina, onde cada apartamento tem três carros e você precisa deles até para comprar um pãozinho.
A Berrini virou um amontoado de torres de escritórios, sem um edifício residencial no meio, nem a obrigação de locais comerciais no térreo. Esse Urbanismo Tabajara teve alvará porque o mercado manda. Mas o mercado que assedia a cracolândia já demonstrou que não sabe criar bairros.
Há o risco de que os atuais moradores da cracolândia sejam desterrados para rincões perdidos da cidade, onde jamais conseguirão emprego (ou vão preferir virar moradores de rua no centro). Sem um plano diretor para a área, que misture uso residencial, empresarial, comercial e de entretenimento e que obrigue uma porcentagem de apartamentos populares e financiados, a cracolândia pode virar outra Berrini.
É irônico que, enquanto a lengalenga da revitalização do centro se arrasta, justamente na marginal Pinheiros, na vizinhança da Daslu, novos shoppings estejam em construção. São Paulo já tem mais de 70 shoppings. A cidade ficou pior ou melhor nas últimas décadas, desde que eles concentraram a diversão da classe média e acabaram com o comércio de rua? Londres e Nova York proíbem shoppings. Por que será?
Buenos Aires criou o Puerto Madero sobre escombros de armazéns portuários, coisa que até Guayaquil, no Equador, conseguiu copiar. São Paulo não consegue melhorar alguns poucos quarteirões.
Vivemos uma era em que as indústrias criativas de ponta se instalam onde seus talentos queiram morar. Se continuarmos a construir uma cidade tão inóspita e feia, o dinheiro que criou Berrinis e afins escolherá portos mais criativos e acolhedores.


RAUL JUSTE LORES é repórter de Mundo.

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