São Paulo, terça-feira, 22 de maio de 2007

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A usurpação da autocrítica

RICARDO BERZOINI

Não cabe demagogia. O PT não se oporá a uma revisão conscienciosa do atual rito de edição e tramitação de medidas provisórias

AINDA ESPANTADO com a leitura do artigo "A usurpação do Poder Legislativo" ("Tendências/Debates", 10/5), assinado por quatro líderes tucanos, tomo a liberdade de tecer algumas considerações sobre a questão do abuso da edição de medidas provisórias, a chamada usurpação das prerrogativas do Poder Legislativo e algumas insinuações malévolas a respeito da composição do segundo governo do presidente Lula.
Por intermédio do referido artigo, somos informados de que a média mensal de medidas provisórias no governo Lula é de 5,09 por mês e de que, no governo FHC, foi de 3,8/mês. Como quase toda estatística é sujeita a manipulação, cabe lembrar que os ilustres articulistas não situaram seus dados da forma mais precisa.
Como não tiveram o cuidado de informar como era a legislação que tratava da edição e do rito da tramitação de medidas provisórias na época do governo PSDB/PFL, sinto-me no dever de lembrar que, até setembro de 2001, era permitido ao presidente da República, caso o Congresso Nacional não as examinasse em 30 dias, reeditar as MPs, que nunca eram votadas naquele prazo, tantas vezes quantas quisesse. Então, a comparação, tal como foi feita no artigo, não tem cabimento, é fraudulenta.
A verdade sobre a edição e reedição de MPs no governo FHC pode ser assim resumida. No primeiro governo, foram editadas 160 medidas provisórias, com 2.449 reedições. No segundo mandato, foram editadas 137 medidas provisórias, com 1.457 reedições. Vale ainda lembrar que, nas reedições, eram introduzidas matérias diferentes daquelas das medidas originais, o que só disseminou insegurança jurídica.
Um cálculo simples mostra que, considerando as reedições, a média mensal de MPs no primeiro governo FHC foi de 51, um número assombroso. A estatística proposta pelos tucanos que assinam o artigo carece, portanto, de veracidade. O governo tucano-pefelista usou e abusou da edição de medidas provisórias.
A alteração do rito para edição e tramitação das MPs foi instituída por emenda constitucional em setembro de 2001, num acordo que envolveu governo e oposição.
A aplicação do novo método, que proíbe a reedição, tirou do Congresso a prerrogativa de examinar esse tipo de matéria, distribuindo-a entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, separadamente, e estabelecendo o prazo de 120 dias para que elas sejam aprovadas ou rejeitadas, sob pena de trancamento da pauta.
Esse método logo revelou um inconveniente: os excessivos casos de trancamento da pauta, o que não acontecia no ordenamento anterior, porque o presidente podia reeditar as MPs à vontade.
Diante desse fato, não cabe demagogia. O PT e -creio- todas as forças democráticas não se oporão a uma revisão conscienciosa do atual rito, desde que seja preservado o direito de o Poder Executivo atuar de maneira ágil quando necessário.
Outra tentativa de iludir o leitor é a afirmação de que a base do governo quer transformar a discussão da reforma política apenas num debate sobre o instituto da reeleição. Isso não tem pé nem cabeça.
O PT quer aprovar -conforme fixado em resolução do seu Diretório Nacional- alguns pontos básicos da reforma política, como fidelidade partidária, voto em lista, financiamento público de campanha, proibição de coligações proporcionais etc. Mais de uma vez declarei que a existência ou não do instituto da reeleição não é prioridade do PT.
Estamos abertos para construir consensos dentro da coalizão governamental e com a oposição sobre essas questões. Sobre a composição do governo, como não têm provas, os tucanos fazem desrespeitosas insinuações sobre suposta troca de favores. Parece que não se lembram que governaram apoiados numa aliança de partidos que ocupavam espaços administrativos no governo -como, aliás, ocorre em todas as democracias do planeta.
O exercício da oposição política é necessário à vitalidade da democracia. Mas pode dispensar argumentações que não se sustentam quando confrontadas com a realidade dos fatos. Até porque desejamos que essa oposição possa apontar erros e contribuir para aperfeiçoar propostas governamentais. O debate democrático, que tem o contraditório como patrimônio inalienável, merece que possamos disputar a excelência dos argumentos e propostas sem resvalar em crítica desarrazoada.


RICARDO BERZOINI, 47, deputado federal pelo PT-SP, é presidente nacional do PT. Foi ministro da Previdência Social (2003) e do Trabalho (2004-2005).

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