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A usurpação da autocrítica
RICARDO BERZOINI
Não cabe demagogia. O PT não se oporá a uma revisão conscienciosa do atual rito de edição e tramitação de medidas provisórias
AINDA ESPANTADO com a leitura do artigo "A usurpação do
Poder Legislativo" ("Tendências/Debates", 10/5), assinado por
quatro líderes tucanos, tomo a liberdade de tecer algumas considerações
sobre a questão do abuso da edição de
medidas provisórias, a chamada usurpação das prerrogativas do Poder Legislativo e algumas insinuações malévolas a respeito da composição do segundo governo do presidente Lula.
Por intermédio do referido artigo,
somos informados de que a média
mensal de medidas provisórias no governo Lula é de 5,09 por mês e de que,
no governo FHC, foi de 3,8/mês. Como quase toda estatística é sujeita a
manipulação, cabe lembrar que os
ilustres articulistas não situaram seus
dados da forma mais precisa.
Como não tiveram o cuidado de informar como era a legislação que tratava da edição e do rito da tramitação
de medidas provisórias na época do
governo PSDB/PFL, sinto-me no dever de lembrar que, até setembro de
2001, era permitido ao presidente da
República, caso o Congresso Nacional
não as examinasse em 30 dias, reeditar as MPs, que nunca eram votadas
naquele prazo, tantas vezes quantas
quisesse. Então, a comparação, tal como foi feita no artigo, não tem cabimento, é fraudulenta.
A verdade sobre a edição e reedição
de MPs no governo FHC pode ser assim resumida. No primeiro governo,
foram editadas 160 medidas provisórias, com 2.449 reedições. No segundo mandato, foram editadas 137 medidas provisórias, com 1.457 reedições. Vale ainda lembrar que, nas reedições, eram introduzidas matérias
diferentes daquelas das medidas originais, o que só disseminou insegurança jurídica.
Um cálculo simples mostra que,
considerando as reedições, a média
mensal de MPs no primeiro governo
FHC foi de 51, um número assombroso. A estatística proposta pelos tucanos que assinam o artigo carece, portanto, de veracidade. O governo tucano-pefelista usou e abusou da edição
de medidas provisórias.
A alteração do rito para edição e
tramitação das MPs foi instituída por
emenda constitucional em setembro
de 2001, num acordo que envolveu
governo e oposição.
A aplicação do novo método, que
proíbe a reedição, tirou do Congresso
a prerrogativa de examinar esse tipo
de matéria, distribuindo-a entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, separadamente, e estabelecendo o
prazo de 120 dias para que elas sejam
aprovadas ou rejeitadas, sob pena de
trancamento da pauta.
Esse método logo revelou um inconveniente: os excessivos casos de
trancamento da pauta, o que não
acontecia no ordenamento anterior,
porque o presidente podia reeditar as
MPs à vontade.
Diante desse fato, não cabe demagogia. O PT e -creio- todas as forças
democráticas não se oporão a uma revisão conscienciosa do atual rito, desde que seja preservado o direito de o
Poder Executivo atuar de maneira
ágil quando necessário.
Outra tentativa de iludir o leitor é a
afirmação de que a base do governo
quer transformar a discussão da reforma política apenas num debate sobre o instituto da reeleição. Isso não
tem pé nem cabeça.
O PT quer aprovar -conforme fixado em resolução do seu Diretório Nacional- alguns pontos básicos da reforma política, como fidelidade partidária, voto em lista, financiamento
público de campanha, proibição de
coligações proporcionais etc. Mais de
uma vez declarei que a existência ou
não do instituto da reeleição não é
prioridade do PT.
Estamos abertos para construir
consensos dentro da coalizão governamental e com a oposição sobre essas questões.
Sobre a composição do governo, como não têm provas, os tucanos fazem
desrespeitosas insinuações sobre suposta troca de favores. Parece que não
se lembram que governaram apoiados numa aliança de partidos que
ocupavam espaços administrativos
no governo -como, aliás, ocorre em
todas as democracias do planeta.
O exercício da oposição política é
necessário à vitalidade da democracia. Mas pode dispensar argumentações que não se sustentam quando
confrontadas com a realidade dos fatos. Até porque desejamos que essa
oposição possa apontar erros e contribuir para aperfeiçoar propostas governamentais. O debate democrático,
que tem o contraditório como patrimônio inalienável, merece que possamos disputar a excelência dos argumentos e propostas sem resvalar em
crítica desarrazoada.
RICARDO BERZOINI, 47, deputado federal pelo PT-SP, é
presidente nacional do PT. Foi ministro da Previdência Social (2003) e do Trabalho (2004-2005).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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