São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

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ANTÔNIO GOIS

Domésticas

RIO DE JANEIRO - Para não contrariar a classe média, o país que inventou o elevador de serviço para as empregadas domésticas negou a elas nesta semana o direito ao FGTS. A culpa recaiu nos braços do governo, mas foi também curioso o surto de indignação que contaminou parte dos empregadores.
Em uma das tantas reportagens sobre o tema, uma repórter ajudou uma família de classe média de São Paulo a fazer os cálculos do quanto pesaria em seu orçamento pagar o benefício. Deu R$ 50.
O pai disse que não teria condições de arcar com mais esse custo e que, se fosse obrigado, teria que tirar os filhos da escolinha de futebol. Na prática, admitia para milhões de telespectadores que o capricho dos filhos vale mais do que os direitos de sua empregada.
Já vivenciei o caso de um amigo que se destacava na universidade por seus discursos sociais exaltados. Certa vez, em sua casa, reparei que a porta que separava a cozinha da sala ficava trancada. Ele me explicou que a mãe não gostava que a empregada circulasse pela casa quando não havia ninguém da família por perto.
Como acontece em tantas famílias, essa mesma empregada esquentava a comida de noite e preparava bem cedinho o café da manhã para o pai no dia seguinte.
Outro hábito disseminado na classe média é esquecer de pagar em dia. Imagine se sua empresa depositasse seu salário numa data diferente a cada mês.
Às vezes, as relações entre patrões e empregadas parecem carregar um traço da nossa herança escravocrata. Aliás, segundo o Censo do IBGE, negros e pardos representam 46% da população, mas são 56% dos domésticos.
Talvez seja apenas coincidência. Talvez.


agois@folhasp.com.br

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