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ANTÔNIO GOIS
Domésticas
RIO DE JANEIRO - Para não contrariar a classe média, o país que inventou o elevador de serviço para as
empregadas domésticas negou a
elas nesta semana o direito ao
FGTS. A culpa recaiu nos braços do
governo, mas foi também curioso o
surto de indignação que contaminou parte dos empregadores.
Em uma das tantas reportagens
sobre o tema, uma repórter ajudou
uma família de classe média de São
Paulo a fazer os cálculos do quanto
pesaria em seu orçamento pagar o
benefício. Deu R$ 50.
O pai disse que não teria condições de arcar com mais esse custo e
que, se fosse obrigado, teria que tirar os filhos da escolinha de futebol.
Na prática, admitia para milhões de
telespectadores que o capricho dos
filhos vale mais do que os direitos
de sua empregada.
Já vivenciei o caso de um amigo
que se destacava na universidade
por seus discursos sociais exaltados. Certa vez, em sua casa, reparei
que a porta que separava a cozinha
da sala ficava trancada. Ele me explicou que a mãe não gostava que a
empregada circulasse pela casa
quando não havia ninguém da família por perto.
Como acontece em tantas famílias, essa mesma empregada esquentava a comida de noite e preparava bem cedinho o café da manhã para o pai no dia seguinte.
Outro hábito disseminado na
classe média é esquecer de pagar
em dia. Imagine se sua empresa depositasse seu salário numa data diferente a cada mês.
Às vezes, as relações entre patrões e empregadas parecem carregar um traço da nossa herança escravocrata. Aliás, segundo o Censo
do IBGE, negros e pardos representam 46% da população, mas são
56% dos domésticos.
Talvez seja apenas coincidência.
Talvez.
agois@folhasp.com.br
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