São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Atualmente, é possível resolver o conflito no Oriente Médio pela via diplomática?

SIM

Dêem uma oportunidade à diplomacia

CARLOS DOS SANTOS

FOI COM GRANDE preocupação que a ONU recebeu a notícia deste novo conflito no Oriente Médio, uma das regiões do mundo que mais têm sofrido com a violência e com as guerras nas últimas décadas.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, foi incisivo em suas declarações: "Condeno todas as ações que têm como alvo civis ou que podem colocar suas vidas em perigo devido a seu caráter indiscriminado ou desproporcional".
Na última quinta-feira, dia 20 de julho, Annan apresentou ao Conselho de Segurança um pacote de medidas que visam resolver esse conflito. A decisão está agora na mão dos estados-membros que podem, ou não, aprovar esse conjunto de ações.
Na região, desde 1948, quando a Organização para a Supervisão da Trégua (UNTSO, na sigla em inglês) foi fundada, a ONU tem tido uma presença constante naqueles países, sempre na tentativa de levar a paz, por meio da diplomacia e da negociação, a essa conturbada parte de nosso planeta. Hoje, a UNTSO é a força de paz mais antiga em operação.
Se analisarmos os eventos dos últimos 48 anos, podemos dizer que a diplomacia falhou? Que o diálogo foi inútil?
Como funcionário das Nações Unidas há mais de 20 anos, não posso acreditar nisso. A ONU, da qual o Brasil é um dos fundadores, não foi criada para "preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra"? Foi.
A guerra é sempre uma catástrofe humanitária, um caminho que deve ser percorrido somente quando todas as possibilidades foram exauridas e quando fica óbvio que a alternativa é ainda pior. Porém, essa terrível escolha nunca deve ser tomada por um Estado sozinho, mas pela comunidade internacional como um todo, por meio das Nações Unidas.
Mas, repito, a ONU tem a obrigação de esgotar todas as possibilidades de diálogo e de negociação antes de autorizar o uso da força. Afinal, as Nações Unidas foram criadas na crença de que o diálogo pode vencer a discórdia, de que a diversidade é uma virtude universal e de que os povos do mundo são muito mais unidos pelo seu destino comum do que divididos por suas identidades individuais.
Hoje, perante a intensidade dos bombardeios dos últimos dias, é inegável que houve um retrocesso nas negociações que a ONU, como parte do quarteto diplomático, vinha realizando desde 2002. Mas buscar a ajuda da força para silenciar as armas onde ainda existem muitos trilhos da paz inexplorados não faz sentido neste momento.
Curar as feridas de sociedades e países que atravessaram diversos e recentes conflitos como aqueles do Oriente Médio não é fácil. E é por isso que a situação na região é volátil e complicada. Especificamente neste caso, assuntos como território, nacionalidade e posse se tornaram ainda mais intrincados pelas diferenças religiosas que têm como epicentro a terra santa de três religiões.
O que era um conflito entre nações está se transformando em conflito religioso. Neste caso, somente um honesto e construtivo diálogo poderá ajudar a separar as denominadas questões de civilização e de religião dos problemas políticos e territoriais, pavimentando o caminho para uma resolução que honre todas as religiões, escolhendo uma paz justa, em oposição a uma guerra sem fim.
Só o final dos confrontos poderá pôr fim a esta crise. Embora Israel tenha preocupações legítimas quanto à sua segurança nacional, a lei humanitária internacional obriga a se abster de ataques direcionados a alvos civis; e essa proibição também está sendo desrespeitada pelo Hizbollah.
O término das hostilidades é urgente. O Hizbollah deve parar de jogar foguetes e libertar os soldados israelenses capturados, e Israel deve cessar as ações de guerra. A ONU espera que essas ações aconteçam o mais rapidamente possível para poupar vidas de civis inocentes, que, como acontece na maioria das guerras, são as principais vítimas.
Como afirmou o secretário-geral em sua última intervenção no Conselho de Segurança, quando foi bastante claro quanto à crise do Oriente Médio: "Dêem uma oportunidade à diplomacia".


CARLOS DOS SANTOS, 59, diplomata caboverdiano, é o diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio).


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