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TENDÊNCIAS/DEBATES
Atualmente, é possível resolver o conflito
no Oriente Médio pela via diplomática?
NÃO
Carta branca para Israel
SALEM HIKMAT NASSER
A COMUNIDADE internacional
-é assim que se autodenomina um seleto grupo de países
formado por Estados Unidos, os principais países europeus e mais alguns
governos com visões de mundo semelhantes- deu carta branca a Israel para continuar sua campanha militar
contra o Líbano.
Ao final da última reunião de cúpula do G8, os líderes da comunidade internacional adotaram a atitude defendida pelo presidente americano,
George W. Bush, e escolheram os culpados pela crise: Hizbollah, Síria, Irã.
Quanto às medidas a serem tomadas, acredita Bush e aceitam os outros
que não há nada urgente a fazer, pois
cabe aos culpados "mudar o comportamento". Ou seja, fundamentalmente, neste caso, o Hizbollah deve devolver os soldados israelenses capturados, interromper os ataques, desarmar-se e recuar para longe da fronteira com Israel.
Até que isso aconteça, Israel pode
continuar a massacrar, sitiar e punir a
população civil libanesa, destruir a infra-estrutura, fazer com que o Líbano, nas expressivas palavras de Ehud
Olmert, primeiro-ministro de Israel,
volte 20 anos no tempo, isto é, ao seu
momento de destruição total.
O Conselho de Segurança da ONU
recusou-se, ao menos nessa primeira
dezena de dias de ataques ininterruptos, a discutir o assunto. Nos meios
diplomáticos e na mídia, fala-se abertamente em um prazo de uma semana ou dez dias para que Israel termine
o serviço sem ser incomodado.
Assim, "o mundo" acha desnecessário apelar para um cessar-fogo imediato e acha razoável condicioná-lo,
como faz Israel, ao equivalente de
uma rendição total do adversário. Em
outras palavras, acha razoável que se
faça impossível um cessar-fogo antes
que Israel assim decida.
Esses são os sintomas, e o doente é
a diplomacia. O doente é um sistema
internacional em que a diplomacia se
entrega à mediocridade, em que o direito fica incapacitado de agir e é dispensado com certo desdém.
Os chamados esforços diplomáticos relacionados ao Oriente Médio
sofrem ao menos de uma limitação
evidente: não se pode discutir nada
que contrarie mais substancialmente
os interesses dos EUA porque é sabido que essa discussão não dará frutos.
Por isso, o ponto de partida necessário para qualquer discussão diplomática parece ser a proteção dos interesses israelenses e a demonização de
Irã, Síria, Hamas e Hizbollah.
As negociações envolvendo os territórios palestinos ocupados -questão à qual se liga aquela relativa a todos os territórios árabes ocupados
por Israel- há muito são encaminhadas para, ao final, permitirem que Israel incorpore ao seu território aquelas terras que mais lhe interessam,
porque mais férteis, porque dotadas
de reservas de água ou porque mais
estratégicas por qualquer outra razão, ao mesmo tempo em que mantém controle efetivo sobre um simulacro de Estado Palestino.
Quando um adversário mais real
emerge como legítimo detentor do
poder, ele é desqualificado como interlocutor e sabotado. É o que aconteceu com o Hamas. Do Irã e da Síria,
também desqualificados como interlocutores, espera-se que se curvem
aos desígnios americanos na região.
Do Hizbollah, espera-se simplesmente que desapareça.
Esse mesmo ponto de partida necessário domina a discussão dessas
matérias no Conselho de Segurança
da ONU: ao mesmo tempo em que os
EUA bloqueiam qualquer tentativa
de pressão sobre Israel para que interrompa atividades ilegais, os crimes
de guerra, os assassinatos seletivos, a
construção de um muro incorporando territórios ocupados, ou para que
cumpra as determinações prévias da
mesma ONU, faz-se pressão sobre
Irã, Síria e Líbano, e, hoje, só se fala na
Resolução 1.559, que demanda o desarmamento do Hizbollah.
Essa diplomacia parcial e unilateral
e esse direito paralisado estão fadados ao fracasso. Esse fracasso se traduzirá na continuidade da violência
ou em injustiça, ou nas duas coisas.
Uma outra diplomacia é necessária,
mas ela não se mostra no horizonte. A
comunidade internacional talvez acabe por dar razão a Hassan Nasrallah,
secretário geral do Hizbollah, quando
diz que não fala para a comunidade
internacional ouvir porque não existe
uma verdadeira comunidade internacional. Talvez seja tempo de tentar
provar o contrário.
SALEM HIKMAT NASSER, 38, doutor em direito internacional pela USP, é professor de direito internacional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
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