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Acidente e discurso
Que não se tenha de esperar outro acidente, e outro discurso, para ver postos em prática os planos que Lula anunciou
DURANTE dez meses, repetiram-se em ritmo
quase diário os sinais
de completa exaustão
do sistema de tráfego aéreo brasileiro -e também os sinais revoltantes de indiferença, inépcia
e despudor das autoridades perante a situação. Do descalabro
de todos os dias passou-se a uma
tragédia -a segunda em menos
de um ano.
Enquanto as cenas de caos nos
aeroportos se transformavam
em rotina, provinham do governo sucessivos anúncios de que a
crise estava superada; deu-se a
declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, creditando à "prosperidade econômica" o
colapso cotidiano; ouviu-se também a memorável sugestão de
"relaxe e goze" dirigida aos usuários de avião pela ministra do
Turismo, Marta Suplicy. Para
cúmulo do escárnio, enquanto
ainda fumegam as ruínas do acidente, diretores da Anac são condecorados oficialmente.
Nesse contexto, ganham significado as imagens, flagradas indiscretamente pelas câmeras de
TV, da gesticulação obscena com
que assessores presidenciais comemoraram, em particular, a
notícia de que havia falha no sistema de frenagem do avião acidentado. Para esses animados
estrategistas do Planalto, um defeito na aeronave ou um erro do
piloto viriam naturalmente a diminuir as tentativas de exploração política da tragédia.
Não se trata, contudo, de
transformar um problema de ranhuras na pista de Congonhas ou
do reverso de um Airbus em instrumento político para governo
ou oposição. Trata-se de reconhecer a necessidade premente
de soluções para um quadro caótico que o governo, em atitudes
públicas ou privadas, deu freqüentes sinais de minimizar.
Eis que, finalmente, o presidente da República procura reverter o desgaste político que se
acumulou durante todo o período, e a que a tragédia da terça-feira passada certamente deu
maior intensidade.
Lula anunciou o projeto de
construir um novo aeroporto em
São Paulo, sua disposição de corrigir a atuação da Anac -completamente subordinada aos interesses das companhias aéreas- e a necessária redução dos
vôos em Congonhas.
Certamente, os exasperantes
problemas do apagão aéreo não
se resumem ao esgotamento
operacional do campo de pouso
paulistano - cujas condições de
segurança o presidente se empenhou, aliás, em confirmar com a
mesma ênfase que dedicou aos
projetos para limitar seu tráfego.
Se o trauma do acidente exigia
que as propostas de Lula incidissem principalmente sobre o tráfego em Congonhas, a revolta e a
inquietação da opinião pública
não se dissipam, naturalmente,
apenas com discursos e anúncios
de novos projetos.
Não faltaram, por parte do governo, promessas ambiciosas
nas mais diversas áreas, esquecidas assim que o impacto do noticiário deixava de se fazer sentir.
Que não se tenha de esperar por
outro acidente, e outro discurso,
para ver postos em prática os
planos agora anunciados.
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