São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

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Palavras e gestos de ACM eram marcas fortes

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


Por maiores que pudessem ser as nossas diferenças, nós mantivemos uma relação muito produtiva e construtiva


POR ESTAR em Seul, na Coréia do Sul, não pude participar da cerimônia e do funeral do senador Antonio Carlos Magalhães para expressar os meus sentimentos de pesar à sua família e ao povo baiano.
Passei a conviver com ACM a partir de 1995. Eu estava lá no Senado desde 1991. Ali ele chegou após uma marcante vida política como governador da Bahia, ministro de Estado, deputado estadual e federal.
Como senador pelo PFL, tinha uma atitude bem diferente da minha, senador pelo PT. Sua história ligada ao regime militar e de críticas às principais lideranças baianas com as quais eu mantinha afinidade, como o ministro Waldir Pires e o hoje governador Jaques Wagner, poderiam, a princípio, significar dificuldade de diálogo.
Porém, por maiores que pudessem ser as nossas diferenças, nós mantivemos uma relação muito produtiva e construtiva em defesa do interesse público e para a melhoria do Brasil.
Isso ocorreu também com muitos dos senadores que com ele tiveram divergências, mas que souberam chegar a decisões importantes a partir de objetivos e iniciativas comuns.
Um exemplo disso foi quando se formou no Senado uma comissão de combate à pobreza. Ela examinou inúmeras proposições, entre as quais um fundo de combate à pobreza, uma proposta de emenda constitucional do então presidente do Senado, ACM, e que teve sua aprovação concluída como resultado dos debates. Esse fundo é formado sobretudo por parte da alíquota de 0,38% da CPMF, a qual deve arrecadar em 2007 cerca de R$ 10 bilhões e que constitui a principal fonte de recursos do Bolsa Família.
ACM via com bons olhos o projeto que apresentei no Senado, sobre o qual tenho falado com freqüência, que acabou sendo aprovado pelo Congresso Nacional em 2003 e que institui por etapas, a critério do Executivo, a renda básica de cidadania.
O posicionamento firme que eu e a bancada do PT tivemos na apuração da violação do painel do Senado foi sempre por ele respeitado. Não prejudicou nosso relacionamento.
O senador Antonio Carlos Magalhães fazia sempre muita diferença por seus gestos e palavras no plenário, presidindo o Senado ou suas comissões. Procurava fazê-lo com senso de autoridade e de eqüidade para com os presentes. Conseguiu muitas vezes levar a cabo objetivos importantes, como, na CCJ, concentrar esforços até que conseguíssemos apreciar e aprovar, no início deste ano, todo o conjunto de projetos que pudessem significar uma melhoria das condições de segurança pública.
Na eleição de 2002, foi importante quando ACM resolveu dar o seu apoio ao presidente Lula, em dissensão ao que havia decidido a frente PSDB-PFL, assim como contribuiu de modo significativo para a tramitação de muitas matérias de interesse do governo Lula na primeira metade do primeiro mandato.
A partir, entretanto, dos diversos episódios que acabaram sendo objeto das CPIs que se desenvolveram em 2005 e 2006, ACM passou a ser um dos mais severos críticos do governo. Seus discursos passaram a conter expressões ofensivas ao presidente e a alguns ministros.
Em algumas ocasiões, o presidente Lula, que costuma assistir à TV Senado, chamou a minha atenção sobre como é que nós, senadores do PT, não estávamos reagindo à altura diante da contundência de suas palavras, que levavam outros senadores a seguir o seu caminho. Eu próprio sugeri algumas vezes ao senador Antonio Carlos Magalhães que ele teria maior eficácia em ser ouvido pelo presidente se o tratasse com maior respeito, como aconteceu com o afeto que ele havia desenvolvido durante a primeira fase do primeiro mandato.
Felizmente, o bom momento entre ambos veio a acontecer em abril deste ano, quando o presidente Lula, aproveitando a oportunidade de um exame que ele e sua esposa fizeram no InCor, em São Paulo, resolveu fazer uma visita ao senador, que ali estava internado, num dos momentos de agravamento de sua doença cardíaca.
No final da tarde daquele sábado, visitei ACM e pude testemunhar o quanto aquela visita lhe fizera bem.
Logo que se recuperou, o senador fez uma visita de agradecimento ao presidente Lula no Palácio do Planalto. Em longa audiência, ambos enalteceram as qualidades de cada um. Em seus pronunciamentos posteriores, ACM continuou a fazer críticas ao governo, mas então com uma linguagem muito mais positiva e civilizada. E com muito mais eficiência do ponto de vista de ser ouvido pelo presidente.

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY , 66, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é senador da República pelo PT-SP. É autor do livro "Renda de Cidadania - a Saída é pela Porta", entre outras obras.

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