São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A geopolítica das drogas e sua face oculta
WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
Por evidente, o INCB notou que vários países da Europa Ocidental abandonaram a linha norte-americana convencionada e trilharam outros e diferentes caminhos. Exemplo disso foram as adoções de práticas sociossanitárias de redução de riscos e danos -sem obrigar abstinência de uso de droga- e, também, a despreocupação criminal com a maconha, rompendo-se com a proibição estabelecida nas convenções. Incomodou a INCB, ainda, a legislação portuguesa, que deixou de criminalizar a posse de drogas para uso próprio, considerada só infração administrativa. O informativo crítico em preparação deverá circular em março do próximo ano. Será debatido em encontros de ONGs e enquanto os Estados-membros da ONU estiverem analisando os resultados conseguidos após cinco anos da Assembléia Especial sobre Drogas, ocorrida em 1998. A agência da ONU sobre prevenção ao crime e controle de drogas (UNOCCP) conduzirá o evento oficial, já com seu novo diretor, o italiano Antonio Maria Costa. Na esfera não-governamental há esperança de um papel ativo do novo diretor da UNOCCP no combate aos "senhores do crime e das drogas". Segundo Alison Jamieson, especialista escocesa em criminalidade organizada mafiosa, os últimos levantamentos do FMI concluíram que "perto de US$ 1 trilhão, provenientes de atividades criminosas, circulam diariamente nos mercados financeiros". Tal movimentação resulta da nova estrutura organizacional das associações criminosas, conectadas numa "network" planetária. Basicamente, o cartelito cuida dos financiamentos, incluídos os dos insumos químicos para a composição das drogas sintéticas e refino de cocaína e heroína. As "firmas" cuidam dos laboratórios de produção, dos recursos humanos, do transporte e das entregas. Compete à direção administrar a distribuição da droga pela rede, bem como realizar a lavagem do dinheiro e a reciclagem do capital limpo em atividades formalmente lícitas. Como se pode notar, os chefões dos cartelitos permanecem inatingíveis e, agora, a droga sintética virou o grande negócio. Confirmou-se, assim, o alerta dado pela UNOCCP em 1996, qual seja, de que as sintéticas seriam as drogas mais difundidas do século 21. Os três grandes centros produtores de drogas sintéticas estão localizados nos EUA, na Europa Ocidental e no Sudeste Asiático. As apreensões policiais giram em torno de 5% a 10% do colocado no mercado. Os dados sobre apreensões são poucos confiáveis, mas servem para algumas constatações. Pelos últimos números levantados, relativos ao biênio 1997/98, no Reino Unido, foram sequestrados 3 milhões de drágeas. A Holanda apreendeu 1,5 tonelada de cápsulas e as polícias norte-americanas, 1,7 tonelada. Por outro lado, as associações criminosas transnacionais triplicaram a área de cultivo de coca na Colômbia, graças às novas técnicas agrícolas introduzidas, apesar das fumigações sob patrocínio norte-americano. A criminalidade organizada cuidou, ainda, de experimentar plantios de coca na Geórgia, na ilha de Samoa e na República Democrática do Congo (ex-Zaire). Mais ainda, continua a lavagem do dinheiro sujo nos grande centros "on shore", como Miami e Nova York. Em síntese, a paralela reunião de ONGs em Viena contribuirá para importantes esclarecimentos, em época de aumento de narco-Estados, de países cúmplices, de elites políticas sustentadas pelos narcodólares e de novas e seguras rotas de distribuição. Wálter Fanganiello Maierovitch, 55, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Giovanne Falcone e professor visitante da Universidade Georgetown, de Washington (EUA). Foi secretária nacional antidrogas da Presidência da República (1999-2000). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Carlos de Meira Mattos: Por que Bush prioriza o Iraque? Índice |
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