São Paulo, quinta-feira, 22 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por que Bush prioriza o Iraque?

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Na sua declaração de guerra total ao terrorismo internacional, manifestada no calor da exaltação psicológica produzida pelos ataques às torres do World Trade Center e ao Pentágono, o presidente Bush discriminou o "eixo do mal" como sendo o Iraque, o Irã e a Coréia do Norte. Desde então, o presidente dos Estados Unidos vem acentuando a sua principal preocupação com o Iraque de Saddam Hussein, a ponto de seus porta-vozes políticos e militares terem divulgado planos de ataque militar contra o Iraque, a fim de destituir o seu governante do poder.
O governo de Washington prioriza uma ação militar para destituir Saddam Hussein porque está convencido de que esse ditador está empenhado em fabricar no país armas de destruição em massa (químicas, biológicas e físseis), fato que, aliado à sua já reconhecida irresponsabilidade (invasão do Kuwait em 1991), representa uma grave ameaça para os Estados Unidos e para a paz mundial. Não resta dúvida de que, se algum país ou seita política começar o uso de armas de destruição em massa, será quase impossível conter o processo de generalização de seu emprego. Estaremos diante de uma catástrofe apocalíptica de dimensões incalculáveis.
As preocupações do presidente Bush com o Iraque estão relacionadas com fatos concretos, que podem ser assim resumidos: em 1998, a Comissão de Inspeção da ONU e a Agência Internacional de Energia Atômica, encarregadas de inspecionar o território do Iraque, a fim de impedir a fabricação de engenhos de destruição em massa (de conformidade com o tratado assinado pelo governo de Bagdá no final da Guerra do Golfo), foram expulsas do país, depois de um período de atritos crescentes com as autoridades iraquianas, em virtude das medidas restritivas impostas à sua ação fiscalizadora.
Durante a permanência das referidas comissão e agência no Iraque, de 1991 a 1998, o governo de Bagdá usou toda sorte de ocultação e fraudes para dificultar o cumprimento de sua missão.
A "gota d'água", que resultou na retirada dos órgãos fiscalizadores do Iraque, foi a descoberta do projeto de expansão da fabricação do VX, um agente químico letal, de ação no sistema nervoso, apto a ser utilizado como arma de destruição em massa. O governo de Bagdá impediu a movimentação dos órgãos de inspeção da ONU e, a partir daí, a crise evoluiu para a expulsão.
Desde então, diversas negociações visando assegurar condições para o retorno desses órgãos inspetores têm fracassado, diante das condições impostas por Saddam Hussein. Durante estes últimos quatro anos, livre de qualquer fiscalização internacional, há indícios sérios de que o governo do Iraque aumentou substancialmente o seu arsenal de armas de destruição em massa, inclusive de engenhos de fissão nuclear.


Há indícios sérios de que o Iraque aumentou substancialmente o seu arsenal de armas de destruição em massa


A intenção comprovada de expandir um programa de armas de destruição em massa, a posse e fabricação de mísseis transportadores desses engenhos, as suas atitudes não-conciliatórias e as provas de que apóia com recursos financeiros organizações terroristas que atuam na Palestina, no Afeganistão e no Paquistão fazem do ditador iraquiano, naturalmente, o alvo principal da estratégia antiterrorista de Washington.
Saddam Hussein, mais uma vez (como aconteceu em 1991, quando invadiu o Kuwait), não se mostra sensível à negociação diplomática nem às pressões dos bombardeios esporádicos de seu país pelos aviões norte-americanos e ingleses. Por isso, a Casa Branca tem se revelado favorável à solução militar.
Várias vezes o presidente Bush anunciou o início de uma ação militar para derrubar Saddam do poder. Várias vezes adiou esse início, porque não há acordo entre os seus aliados, além do que os países árabes unanimemente desaprovam a solução militar -também a Rússia e a China. Agora, por último, surgiram no próprio partido de Bush, o Republicano, grupos que se opõem à solução militar. Contrariando essas manifestações antibélicas, a principal assessora da Casa Branca para a Segurança, Condolessa Ricci, declarou recentemente à BBC que, diante das provas já existentes, os Estados Unidos não podem continuar esperando até serem envolvidos por novas agressões.
Esta a encruzilhada diplomática e estratégica que enfrenta Bush.


Carlos de Meira Mattos, 89, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em Ciência Política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.



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