São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2010

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O papel do BNDES

Ao receber recursos do Tesouro e investir em setores tradicionais da economia, banco aumenta riscos e falha na sua política industrial

O grande aumento da carteira de empréstimos do BNDES nos últimos anos e, mais recentemente, o controverso aporte de R$ 180 bilhões que recebeu do Tesouro precipitaram um saudável debate a respeito do papel do banco de fomento na economia brasileira.
É preciso salientar que o BNDES continua a ser o principal agente de financiamento de longo prazo no país. Vários de seus programas são elogiáveis, como, por exemplo, o Finame, que financia a aquisição de máquinas e equipamentos para um grande número de empresas -muitas delas de pequeno porte.
Uma parcela dos recursos do banco tem origem em repasses, determinados por lei, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, a custos inferiores aos de mercado. O subsídio é, em parte, repassado para as empresas tomadoras, mas nesse caso a conta não vai para o Tesouro. E, como é recomendável, os lucros retidos vinham sendo, nos últimos anos, a grande fonte da instituição.
Já a injeção de R$ 180 bilhões e a concentração dos desembolsos num grupo menor de empresas, que se verifica desde 2009, merecem reparos.
Em primeiro lugar, a diferença entre a taxa de juros que o banco paga (hoje em 6%) e o custo de financiamento do Tesouro no mercado (pela taxa Selic, hoje em 10,75%) implica subsídio de R$ 8 bilhões ao ano, que não é aprovado, como deveria, pelo Congresso. Como trata-se de empréstimo de longo prazo, o subsídio pode mudar, provavelmente para menos, caso a taxa básica de juros continue a cair nos próximos anos. Entretanto, nas condições atuais, é um privilégio concedido às empresas receptoras.
Do montante que recebeu do Tesouro, o BNDES já desembolsou R$ 115 bilhões. O governo argumenta que não há custo expressivo nessa operação, pois o subsídio voltaria na forma de maior arrecadação de impostos e dividendos. O banco estima a criação ou manutenção de 4 milhões de empregos desde meados de 2009.
Mas se é verdade que não há custo, como argumenta o governo, por que não aumentar o empréstimo para R$ 500 bilhões, ou mesmo R$ 1 trilhão? Haveria mais crescimento e dispararia a arrecadação. Ora, se fosse esse o caso, teria sido descoberta a máquina do movimento perpétuo.
Trata-se de uma falácia, para dizer o menos. É evidente que há impactos positivos na economia, mas o fato é que os empréstimos aumentam os riscos assumidos pelo setor público, que precisam ser avaliados com cautela.
Outra objeção diz respeito aos critérios de escolha das empresas contempladas. Estudiosos de política industrial criticam com veemência o volume de dinheiro direcionado a setores nos quais o país já é competitivo. Essa linha de atuação do banco apenas reforça a estrutura econômica tradicional, deixando de estimular setores que precisam incorporar tecnologias mais avançadas.
Embora o BNDES ainda tenha um papel a desempenhar no desenvolvimento do país, já é hora de defini-lo com mais precisão. Não faz sentido que o banco estatal de fomento seja inflado como se a economia brasileira fosse débil e não dispusesse, a essa altura, de alternativas no mercado.
Além disso, em se tratando de benesses com dinheiro público, o governo tem o dever de revelar quem recebe o dinheiro, a que preço e com que objetivo. E, uma vez que se concede subsídio, é preciso explicitá-lo no Orçamento.


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