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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

SAT, uma política de Estado

RICARDO BERZOINI e HELMUT SCHWARZER


O governo do presidente Lula tem como compromisso um modelo previdenciário básico público e forte

O SAT (Seguro de Acidentes do Trabalho) é um dos seguros sociais mais antigos da América Latina, antecedendo em até 15 anos os próprios programas de aposentadoria, que foram implementados na Argentina, no Chile, no Uruguai e no Brasil nos anos 20. Essa precocidade deve-se ao surgimento de fortes movimentos operários com a imigração e a industrialização do Cone Sul, na virada do século 19 para o 20, reivindicando proteção coletiva contra o risco social mais imediato: um acidente de trabalho que subtraísse a capacidade laboral ou mesmo a vida do operário e desprovesse a sua família da fonte de sustento.
Tal qual o resto do sistema previdenciário, no Brasil e na América Latina, o SAT foi constituído no século 20, baseado em um paradigma contributivo e, em especial, com viés indenizatório; isto é, o seguro operava somente após o acidente. Raramente a prevenção e a reabilitação das vítimas de acidentes de trabalho estiveram de fato no foco do SAT -o que, no nosso entender, é um erro histórico a ser reparado.
Como alternativa, alguns têm proposto o ingresso do setor privado no atendimento do SAT. Esse foi o encaminhamento das reformas dos seguros sociais em diversos países da América Latina nas últimas décadas. São basicamente dois os desenhos institucionais gerados naqueles países, na Previdência, na saúde e no SAT: um modelo privado substitutivo, em que o Estado é substituído pela iniciativa privada como operador do seguro social básico; ou o modelo paralelo, com o Estado e a iniciativa privada competindo entre si. Em ambas as situações, os defensores das reformas dizem que o desenho institucional traria mais eficiência, pelo aumento da competição.
Exemplos do modelo substitutivo em seguro social são o caso do sistema de aposentadorias e pensões do Chile, atendido pelas AFP, o SAT chileno, e mesmo a experiência brasileira até 1967, quando o SAT era atendido pelo setor privado. Nessas circunstâncias, mesmo com regulação estrita, o comportamento dos operadores privados será procurar cobrir só os setores que possuam um balanço de contribuições e despesas positivo e que possam garantir retorno financeiro. Para tal, usam-se comissões discriminatórias contra os segmentos de maior risco, estratégias de marketing e mesmo a localização das agências longe de bairros pobres. Dificilmente seguradoras privadas desejarão incorporar à sua cobertura setores como a agricultura e a construção civil, por exemplo.
Os resultados do outro modelo mencionado -a competição entre setor público e privado no atendimento de um seguro social básico- podem ser apreciados, por exemplo, nos sistemas de aposentadorias e pensões da Argentina, do Peru e da Colômbia, bem como no próprio sistema de saúde brasileiro.
Nos três países hispânicos citados, o segurado tem a opção de contribuir para a Previdência pública ou para um fundo de previdência privada. Além do comportamento seletivo dos operadores privados, buscando atrair os segmentos de elevado potencial de contribuição, com a migração dos segurados mais ricos, gera-se um desfinanciamento crescente do seguro público. Esse desfinanciamento estimula novos grupos a trocarem o setor público pelas operadoras privadas e, em espiral, conduz a uma privatização de fato.
O operador público tende a ficar com um papel assistencial aos excluídos e aos não-rentáveis, enquanto os operadores privados concentram a receita de contribuições. Trata-se de fenômeno conhecido em teoria econômica por "seleção adversa". Os planos de saúde privados brasileiros, por exemplo, procuram desviar para o SUS os pacientes caros: os idosos e os casos de tratamento complexo. É desnecessário sublinhar que esses modelos substitutivo e paralelo eliminam a solidariedade entre os trabalhadores de rendimentos mais elevados e que correm menores riscos e aqueles de rendimentos mais baixos e com riscos de acidente mais altos.
No caso do Brasil, a reforma previdenciária de 1998, por meio da emenda constitucional 20, propôs o provimento do SAT em competição entre o INSS e a iniciativa privada. Essa reforma, felizmente, não foi implementada, por falta de regulamentação por lei ordinária. O governo do presidente Lula tem como compromisso um modelo previdenciário básico público e forte, solidário e universal, que pode ser complementado, pelos trabalhadores que assim o quiserem, por mecanismos privados voluntários.
No caso do SAT não será diferente: é uma política de Estado, exigindo, portanto, que se reverta a alteração feita pela emenda nš 20.


Ricardo Berzoini, 43, é o ministro da Previdência Social. Helmut Schwarzer, 35, doutor em economia pela Universidade Livre de Berlim, é o secretário de Previdência Social do governo federal.


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