São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Um tiro distraído no coração

SÃO PAULO - Foi uma frase casual, quase descuidada, mas atingiu a linha de flutuação do maior orgulho do governo Lula, o saldo comercial gerado pelo Brasil neste ano, por sua vez responsável direto pelo superávit no conjunto das contas externas.
"O crescimento desproporcional das exportações brasileiras deve-se a um único país, a China, e consiste de um conjunto relativamente pequeno de commodities e de matérias-primas", disparou Peter Allgeier, o embaixador que é o vice-chefe do USTr (United States Trade Representative, uma espécie de ministério do comércio exterior dos Estados Unidos).
Allgeier tirou os olhos do texto preparado para o discurso em almoço ontem na Câmara Americana de Comércio, em São Paulo, para completar sua observação casual: o primeiro item nas exportações brasileiras para a China é a soja, com 28%, ao passo que, no sentido inverso (da China para o Brasil), a liderança é de máquinas elétricas, obviamente de muito maior valor agregado.
Bom, agora certamente algum iluminado no Palácio do Planalto soltará um press release para dizer que tudo não passa de inveja do funcionário norte-americano, que não se conforma com os formidáveis US$ 450 bilhões da economia brasileira e os compara com os anêmicos US$ 10,7 trilhões do PIB norte-americano (sim, trilhões, ou seja, 23 vezes a riqueza brasileira).
É até engraçado: o governo Lula, assim como seu antecessor, faz o possível e o impossível para agradar os donos do circo econômico-financeiro planetário, como cachorrinho amestrado que salta sucessivos aros em fogo. Aí, vem um alto funcionário e desdenha da principal proeza do animalzinho, como se fosse vira-lata de rua (com todo o respeito, diga-se, pelos adoráveis vira-latas de rua).
No fundo, é como diz o presidente da República: os norte-americanos são admiráveis pela dureza com que negociam e defendem seus interesses. Falta seguir o exemplo não apenas nas negociações comerciais mas também no plano das políticas econômico-financeiras.


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