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CLÓVIS ROSSI
Um tiro distraído no coração
SÃO PAULO - Foi uma frase casual, quase descuidada, mas atingiu a linha de flutuação do maior orgulho
do governo Lula, o saldo comercial
gerado pelo Brasil neste ano, por sua
vez responsável direto pelo superávit
no conjunto das contas externas.
"O crescimento desproporcional
das exportações brasileiras deve-se a
um único país, a China, e consiste de
um conjunto relativamente pequeno
de commodities e de matérias-primas", disparou Peter Allgeier, o embaixador que é o vice-chefe do USTr
(United States Trade Representative,
uma espécie de ministério do comércio exterior dos Estados Unidos).
Allgeier tirou os olhos do texto preparado para o discurso em almoço
ontem na Câmara Americana de
Comércio, em São Paulo, para completar sua observação casual: o primeiro item nas exportações brasileiras para a China é a soja, com 28%,
ao passo que, no sentido inverso (da
China para o Brasil), a liderança é de
máquinas elétricas, obviamente de
muito maior valor agregado.
Bom, agora certamente algum iluminado no Palácio do Planalto soltará um press release para dizer que
tudo não passa de inveja do funcionário norte-americano, que não se
conforma com os formidáveis US$
450 bilhões da economia brasileira e
os compara com os anêmicos US$
10,7 trilhões do PIB norte-americano
(sim, trilhões, ou seja, 23 vezes a riqueza brasileira).
É até engraçado: o governo Lula,
assim como seu antecessor, faz o possível e o impossível para agradar os
donos do circo econômico-financeiro
planetário, como cachorrinho amestrado que salta sucessivos aros em fogo. Aí, vem um alto funcionário e
desdenha da principal proeza do
animalzinho, como se fosse vira-lata
de rua (com todo o respeito, diga-se,
pelos adoráveis vira-latas de rua).
No fundo, é como diz o presidente
da República: os norte-americanos
são admiráveis pela dureza com que
negociam e defendem seus interesses.
Falta seguir o exemplo não apenas
nas negociações comerciais mas
também no plano das políticas econômico-financeiras.
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