São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO

Por que aumentar o juro real?

Sob mais uma ameaça de terrorismo monetário que insiste nas absurdas proposições de que a taxa de juro real de equilíbrio do país é de 10%, de que nosso produto potencial é de 3,5%, de que os "gargalos da infra-estrutura" são insuperáveis e de que as exportações restringem a oferta interna, o Brasil vai se defendendo como pode. Não existia, de fato, nenhuma evidência objetiva que exigisse uma manobra do Banco Central em setembro. A taxa Swap-DI-360 (que costuma antecipar de mais ou menos um trimestre as decisões do Banco Central) já havia subido. O que não se sabe é se ela antecipa, de fato, uma aceleração da inflação ou se reflete também a "endogamia "BC-Mercado Financeiro" que torna as expectativas de inflação" retroalimentáveis...
Como não há nenhuma segurança de que exista de fato um "excesso de demanda", a solução amigável para o "espírito de desenvolvimento" seria o corte das despesas públicas (o aumento da Selic a aumenta!), e não o corte do consumo e do investimento (que reduz o "produto-potencial" futuro) do setor privado. Não se trata, obviamente, de apenas terminar com as vinculações orçamentárias, mas também de retirar do superávit primário o investimento público (necessário ao crescimento) cuja taxa de retorno seja maior do que a taxa de juro do endividamento público.
Nada mudará enquanto não nos convencermos de três pequenos fatos: 1º) que, sem o estímulo continuado para ampliar as exportações, o processo de crescimento será abortado, qualquer que seja a política fiscal ou monetária; 2º) que a poupança e o investimento são correlacionados, mas as implicações causais mais fortes vão na direção de que o investimento precede à poupança; 3º) que o investimento, por sua vez, é estimulado pela "expectativa" do crescimento.
Afinal, a situação econômica do Brasil em 2004 é tão inferior à de 2003 que devemos exigir o cego cumprimento das "metas inflacionárias", estabelecidas com muito pouco critério, como todos sabemos? E devemos exigi-las, não importa a quantidade e qualidade dos choques de oferta que enfrentamos e de suas graves conseqüências sobre o "espírito do desenvolvimento"?
A tabela abaixo compara crescimento e inflação em alguns países:




Temos uma melhoria espetacular na situação brasileira: um dramático aumento do crescimento e uma redução da taxa de inflação combinados com um superávit primário e em conta corrente. Afinal, o que queremos? Esquecemos que o Chile levou 12 anos para reduzir sua taxa de inflação, que a Colômbia levou dez anos e que o México levou nove? Em todos esses países, a redução foi gradual e razoavelmente monotônica (nunca houve retrocesso significativo). Esse certamente não é o nosso caso, no qual a política monetária tem levado a inflação a uma espécie de "passeio ao acaso" (6,0% em 2000, 12,5% em 2002 e 7,3% em 2004), com pífio crescimento.
Não terá chegado a hora de, em lugar de apenas repetir e repetir o aumento do juro, repensar o papel das políticas fiscal e monetária e o do Banco Central?

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O bolo vai crescer
Próximo Texto: Frases
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.