São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um desafio para os futuros prefeitos

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Quero propor um desafio a todos os prefeitos e vereadores que exercerão seus mandatos no período de 2005 a 2008: o de coordenar seus esforços com os governos federal e estaduais para instituir exemplarmente em seus municípios o Programa Renda Básica de Cidadania.
Será que isso é possível?
Claro, pois em dezembro de 2003 o Congresso Nacional aprovou a lei que institui a renda básica de cidadania, a qual será implantada gradualmente, a partir de 2005, começando pelos mais necessitados, até que se atinja a todos os brasileiros.
Ou seja, quando plenamente implantada, toda pessoa, não importando sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, terá o direito de receber uma modesta renda, na medida do possível suficiente para atender suas necessidades básicas, que crescerá com o progresso do país. A renda básica será igual para todos. Até para os mais ricos. Obviamente os que têm mais colaborarão com mais para que eles próprios e todos os demais venham a recebê-la.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei da Renda Básica de Cidadania em 8 de janeiro de 2004. O ministro Patrus Ananias e a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social, Ana Fonseca, têm a compreensão clara de que o atual Programa Bolsa-Família é o início do Renda Básica de Cidadania.
Quais são as vantagens de pagar uma renda a todos?


A renda básica será igual para todos. Até para os mais ricos. Obviamente os que têm mais colaborarão com mais


Elimina-se a burocracia envolvida no processo necessário para que se conheça quanto cada um ganha no mercado formal e informal, a fim de que se saiba quem pode receber aquela renda;
extingue-se qualquer sentimento de estigma que a pessoa possa carregar por precisar dizer "eu só recebo tanto, por isso devo receber tal complemento de renda";
do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, será muito melhor para cada pessoa saber que nos próximos 12 meses, e daí pra frente a cada ano, ela e cada um na sua família receberão aquela renda como o direito de todos participarem da riqueza nacional.
Da mesma maneira como tantos municípios estão hoje entrosados com o governo da União para instituir o Bolsa-Família -que neste mês de setembro atingirá 5 milhões de famílias e, até 2006, 11,2 milhões de famílias, correspondendo a quase 45 milhões de brasileiros-, será perfeitamente possível continuar esse entrosamento para, até 2008, transformar o Bolsa-Família em Renda Básica de Cidadania em todos os municípios e, assim, estendê-la a todos os brasileiros, inclusive aos estrangeiros residentes no Brasil há cinco anos ou mais, como estabelece a lei.
Mas como será possível pagar à classe média e à classe alta uma renda básica, sendo que em todas as cidades ainda há tantas favelas e tanta carência? "Essa é uma proposta para ser implementada muito mais adiante, não agora, Eduardo", ponderou-me a prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, justamente a cidade que tem o maior e mais generoso programa de renda mínima relacionado à educação, que no período de 2001 a 2004 já beneficiou 270 mil famílias.
Quando se criar um sistema tributário adequado, que permita a todos os que têm mais contribuir para que eles próprios e todos os demais possam receber a renda básica, nós iremos de fato e com maior eficiência atingir toda a população e, portanto, indistintamente aos mais pobres, inclusive aos que hoje, morando nas ruas, estão sendo assassinados -os quais terão, quando a renda básica de cidadania estiver plenamente implementada, condições de sair das ruas.
Importante é que cada responsável por seu município compreenda que a renda básica de cidadania é compatível com a maior competitividade da economia de sua cidade em relação às regiões onde não for implementada. Os estudiosos de transferências de renda têm apontado que as formas de crédito fiscal e Imposto de Renda negativo fazem as economias que as adotam se tornarem mais competitivas e geradoras de oportunidades de emprego. E têm concluído ainda que a forma mais racional é justamente a renda básica incondicional.
Coloco-me à disposição de todos os prefeitos para ajudá-los nessa empreitada, que proporcionará maior dignidade e real liberdade a todos.

Eduardo Matarazzo Suplicy, 63, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), senador pelo PT-SP, é professor da Eaesp-FGV.


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