São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Prerrogativas da cidadania

ROBERTO BUSATO

A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 133, que "o advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Ao alçá-lo ao nível de "preceito constitucional", o constituinte definiu-o para além de sua atividade estritamente privada, qualificando-o como prestador de serviço de interesse coletivo e conferindo a seus atos múnus público.
Não há outra profissão com status equivalente. Para alguns, trata-se de privilégio, mas, na verdade, trata-se de compromisso com a coletividade, verdadeira promissória social que assumimos ao proferir o juramento solene do advogado, que vincula o exercício da profissão, entre outras coisas, à defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado de Direito democrático, dos direitos humanos e da justiça social.
Esses compromissos, previstos também no Estatuto da OAB, excedem os deveres corporativos e nos tornam homens públicos, ainda que sem mandato político ou cargo funcional no Estado. Daí a importância para o conjunto da sociedade da defesa das prerrogativas profissionais da advocacia, tema de campanha nacional que a Ordem está lançando neste mês de setembro.
O lema da campanha é: "Cidadão sem defesa, cidadania ameaçada". E funda-se numa premissa: o Estatuto da OAB (artigos 6º e 7º), ao estipular os direitos dos advogados, protege na verdade o próprio jurisdicionado e a Justiça.
Muitos confundem a defesa dessas prerrogativas com privilégios corporativos. Trata-se, no entanto, de defesa da cidadania. É o direito do cliente que está em pauta, quando se exige, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, que se respeite a inviolabilidade do local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas e afins, salvo em caso de busca ou apreensão determinadas por magistrado.


Se o advogado não pode atuar com independência e liberdade, o que está em risco é a democracia e a cidadania


Comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, quando se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis, é prerrogativa inegociável da advocacia, assim como também o ingresso livre nas prisões, mesmo fora da hora de expediente.
Trata-se, repito, de direitos constitucionais e legais, para o efetivo exercício profissional, e não de privilégios. Esses direitos se voltam não para os interesses dos advogados, mas para o legítimo, eficiente, civilizado e pleno exercício da Justiça, da liberdade e da cidadania. São direitos que se destinam aos jurisdicionados e aos cidadãos, para que tenham uma Justiça (vale a redundância) efetivamente justa.
Por isso, consideramos que os ataques às prerrogativas da advocacia são um sinal perigoso e podem resultar no enfraquecimento da profissão. Se o advogado não pode atuar com independência e liberdade, o que está em risco é a democracia e a cidadania. Daí a campanha nacional que estamos lançando. Não se pode renunciar a esses direitos a pretexto de combate à criminalidade.
Também ao tempo da ditadura, conspirou-se contra as prerrogativas do advogado -àquele tempo a pretexto de defesa da segurança nacional, que acobertava tortura de presos políticos e outras violações a direitos humanos e constitucionais.
Ontem como hoje, o que está em pauta é a defesa da liberdade e da cidadania. Não importa se quem está em pauta é pobre ou rico, influente ou não. Todos têm direito à presunção de inocência, ao contraditório, ao devido processo legal. Ninguém pode ser condenado senão mediante sentença transitada em julgado. E o advogado é o elo efetivo entre esses direitos elementares de cidadania e a Justiça.
Quando se conspira contra ele, conspira-se contra o bem comum. Como disse Rui Barbosa, "legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado". Sem elas, não há Justiça nem cidadania. Se há maus profissionais, que não honram esses pressupostos, a solução não é tomá-los pelo todo e a pretexto deles punir a coletividade, até porque são minoria.
A OAB, no que concerne ao cumprimento dos deveres éticos e legais por parte dos advogados, tem sido implacável nas sanções disciplinares aos infratores, sem deixar de lhes assegurar ampla defesa.
Sabemos da distinção com que nossa atividade é qualificada na Constituição, o que muito nos honra. Mas sabemos também que a contrapartida inapelável dessa honraria é o sagrado compromisso com a ética. Esse o dever máximo da advocacia, que resume e contém todos os demais.

Roberto Busato, 49, é o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.


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