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Inimigo imaginário
Dada a asfixiante carga de tributos, daqui para a frente qualidade do gasto público definirá o ritmo dos avanços sociais
PAIXÕES políticas à parte, é
necessário reconhecer
avanços institucionais,
sociais e materiais no
país quando se avaliam prazos
mais longos, medidos em décadas. A mais recente Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílios) divulgada pelo IBGE
confirma e ajuda a avaliar esses
progressos, bem como os méritos e os deméritos da atuação do
poder público no período.
Mais uma vez, os números
apontam um lento, mas contínuo, processo de desconcentração dos rendimentos do trabalho. A metade mais pobre da população ampliou a participação
na renda nacional para 17,6% em
2008, contra 14%, dez anos antes. Parece, e é, pouco, mas se
trata de uma melhora inédita
desde, pelo menos, os anos 1970,
quando as taxas recordes de
crescimento econômico eram
maculadas pelo aumento também acelerado da desigualdade.
A pobreza segue trajetória de
queda, ainda que irregular. Pelos
critérios do economista Marcelo
Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, os pobres, que chegaram a
somar 35% dos brasileiros em
1993, haviam caído para 16% em
setembro no ano passado, antes
da chegada da onda recessiva
trazida pela crise global.
Em parte, os avanços obedecem a um padrão vegetativo observável em qualquer território
que não viva sob guerras ou tragédias humanitárias. Mas, por
mais que seja difícil estabelecer
causa e efeito em estatísticas como essas, parece óbvia a conexão
entre os indicadores e a vigorosa
expansão do gasto público desde
a redemocratização do país.
As relações entre um fenômeno e outro demandam uma discussão menos simplória do que,
por exemplo, o ataque ao suposto "Estado mínimo" feito pela
ministra Dilma Rousseff, provável candidata à Presidência, em
entrevista à Folha.
Trata-se, no Brasil, de um inimigo imaginário. Mesmo antes
da Constituição de 1988, o setor
público já consumia um quarto
da renda nacional, fatia comparável, por exemplo, à verificada
nos Estados Unidos. De lá para
cá, compromissos crescentes
com previdência, saúde e assistência social, fora os pesados encargos da dívida pública, levaram a carga tributária nacional a
35% do PIB, similar à de nações
que passaram por experiências
social-democratas.
Diante de tal hipertrofia, os resultados sociais dos últimos
anos já não parecem tão impressionantes. Basta lembrar que o
rendimento médio do trabalhador ainda é inferior ao de 1998,
ou que a taxa de analfabetismo
permaneceu estagnada no ano
passado -em elevados 9,8% da
população adulta.
O debate que precisa ser feito é
como extrair o máximo de eficácia da ação dos governos, sem
permitir que a já anômala dose
de impostos, taxas e contribuições sociais comprometa o crescimento da produção de bens e
serviços -a menos que se imagine uma alta ininterrupta de despesas e receitas públicas até a
conquista de padrões de renda e
escolaridade equivalentes aos do
mundo desenvolvido.
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