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São Paulo, quarta-feira, 22 de outubro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Revisão facilitada da Constituição

MICHEL TEMER

O deputado Luiz Carlos Santos propôs emenda estabelecendo a hipótese de uma revisão facilitada do texto constitucional, a ser exercitada pelo Congresso eleito em 2006. Muitos já sustentam a mesma tese.
O que se quer, na verdade, é o "enxugamento" do texto constitucional. Para ressaltar essa convicção, é bom relembrar que a Constituição de 1988 representou, politicamente, a restauração das garantias democráticas no país, já que sucedeu a um período autoritário e centralizador. O título "Constituição cidadã" cabia-lhe em face do instante político da sua promulgação. E é ela, convenhamos, a responsável pela estabilidade das instituições no país. Tão forte foi sua presença política que um presidente da República foi cassado e o vice, fugindo à tradição do país, cumpriu o restante do mandato sem trauma institucional.
Apesar dos seus sólidos efeitos, o fato é que a Constituição de 88 foi ao pormenor, desceu ao detalhe. E isso engessou a atividade do legislador ordinário e a criatividade da jurisprudência, além de contribuir para gerar milhares de ações de inconstitucionalidade.
Quando se tem uma Constituição principiológica, a adoção do princípio pode variar de acordo com o tempo histórico e o momento social. É isso que permite margem mais ampla para a ação do legislador ordinário e da jurisprudência. Essas são as razões que explicam as 40 emendas constitucionais promulgadas, além das seis emendas de revisão, somando 46, a caminho de 48, depois de promulgadas as emendas da Previdência Social e a da reforma tributária. Nesse passo, tudo indica que, nos próximos 15 anos, iremos a mais de cento e tantas emendas constitucionais.
E isso ocorre porque, quando se quer uma modificação legislativa, há de alterar a Constituição. Note-se que não se trata de emenda constitucional que altera, a título de exemplo, a alínea tal do artigo tal. São, as emendas, verdadeiros códigos, o que dificulta a interpretação da Lei Magna. Estamos falando de uma Constituição que tem 15 anos de idade.



Apesar dos seus sólidos efeitos, o fato é que a Constituição de 1988 foi ao pormenor, desceu ao detalhe

Se formos buscar o exemplo dos EUA, veremos que sua Constituição é de 1787 e tem apenas 26 emendas. Esse fato explica por que, naquele país, a jurisprudência e a lei são tão inovadoras.
Tais preliminares destinam-se a evidenciar o acerto daqueles que propõem modificações no texto produzido em 1988. A idéia de uma Constituinte originária, porém, é refutada por muitos sob o fundamento, correto, de que podem ser eliminados direitos conquistados, além de gerar grande instabilidade social por ser fator de mobilização política. Portanto o que se deve pretender é uma revisão técnica do texto, o que entendo como "enxugamento" constitucional. Trata-se, sim, de uma revisão, que deve ser elaborada inicialmente por uma comissão de técnicos da área jurídica, também composta por representantes do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. Ela poderia ser designada pelo Executivo com a concordância e indicação de nomes pelo Legislativo e Judiciário, ancorando-se, a proposta, na tripartição do Poder.
No Legislativo, os integrantes poderiam ser indicados pelos partidos com representação no Congresso. No Judiciário, pelos tribunais superiores da União. Formalizado o texto já revisto, seria submetido ao Congresso, convertido em Casa única revisora, apenas para o efeito de discussão da matéria.
No instante da votação ponto por ponto, colher-se-á o voto da Câmara dos Deputados e, em seguida, do Senado Federal. Se houvesse concordância, o ponto debatido estaria aprovado. A votação, contudo, seria por maioria absoluta, inferior aos três quintos hoje exigidos. Será método mais simples e ágil para modificação constitucional. O detalhamento desse processo deverá ser estabelecido em regimento interno da Assembléia Revisora.
Sei que se poderá alegar a inconstitucionalidade dessa emenda, já que o processo de alteração constitucional é, no dizer de muitos, cláusula imodificável. Para dar legitimidade a essa alteração procedimental de discussão em Casa única e maioria inferior para modificação, impõe-se o referendo popular para o novo texto, nascido da revisão.
A justificativa teórica para a convalidação, pelo povo, do texto revisado demandará outro artigo. Registro, por fim, que o objetivo da manifestação inicial por parte de uma comissão técnica é o de reduzir o texto constitucional, remetendo muitas matérias ao legislador complementar ou ordinário. Já o objetivo de submeter o texto à apreciação do Congresso Revisor é para a verificação política do parecer técnico e avaliação de eventual supressão de direitos obtidos na Constituinte de 88.
Portanto nem Constituinte originária, criadora de embaraços políticos, nem revisão dificultada. O que defendo é uma revisão facilitada, capaz de converter uma Constituição analítica em Constituição sintética. Daqui a 216 anos, quem sabe, poder-se-á proclamar que o Brasil dispõe de uma Constituição com apenas 26 emendas.

Michel Temer, 63, advogado e professor de direito constitucional da PUC-SP, é deputado federal pelo PMDB-SP e presidente nacional do partido. Presidiu a Câmara dos Deputados e foi secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.


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