São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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JOSÉ SARNEY

Onde a besta morreu

A semana termina cheia de notícias: os juros, na sua trajetória de gangorra do sobe-e-desce, depois de descerem, agora sobem; a Fórmula 1, que, para o meu gosto, é uma das coisas mais monótonas e chatas do mundo, faz sua última corrida do ano em Interlagos; Schumacher chega de mau humor e, questionado sobre "se gosta do Brasil", responde de cara feia: "Adoro o Brasil, mas prefiro quando posso ficar em paz no quarto". E um prefeito do interior de São Paulo, quando lhe cobram programas de cultura, responde convicto: "A cultura pode esperar, é algo que se pode definir como um pepino"; as eleições municipais chegam na reta final do segundo turno e as batidas cardíacas dos candidatos e aderentes aumentam com a chegada do dia D e com as pesquisas de opinião pública, que neste ano sofreram muitas contestações e mudanças de metodologia.
Mas, com tudo isso, se pode comemorar quando a Câmara Brasileira do Livro anuncia que as livrarias e editoras do Brasil movimentaram, em 2003, R$ 3,3 bilhões e produziram 299 milhões de livros e que neste ano houve um crescimento de 30%. Contudo somente um terço da população alfabetizada do Brasil chega ao livro, num critério bem generoso de ter lido um livro nos últimos três meses.
Eu escolhi como meu tema parlamentar a cultura, e há 30 anos apresento projetos e falo sobre o problema cultural. Tenho a convicção de que o Brasil só será uma potência econômica se for uma potência cultural. Com o maior desrespeito à opinião do prefeito do interior de São Paulo, se há uma coisa que não podemos esperar é mudar a face cultural do Brasil com a maior rapidez, para que não tenhamos outros administradores públicos dizendo o que disse o prefeito e para não termos prefeitos assim.
Apresentei e aprovei no Congresso o Estatuto Nacional do Livro, com a colaboração da Câmara Brasileira do Livro, da Biblioteca Nacional e de outras entidades envolvidas no problema. Dizia-se que o livro iria acabar devido às modernas descobertas da era da comunicação eletrônica. O que estamos vendo é que as novas técnicas estão barateando a produção de livros, que está aumentando.
Quanto aos juros, esse é um assunto do José Alencar em que não desejo mais interferir, porque o fiz uma vez e me arrependo, não só pelo que disse como pelo puxão de orelha que levei de minha mulher.
Já o Schumacher, é compreensível que ele goste mais de quarto do que do Brasil. Com a velocidade em que ele anda, não vê nada, nem os milhões de bobocas que o vêem com aquela zoada de motor cujo som não muda de tom e tem sempre os mesmos vencedores. Prefiro corrida de cavalo ou de macaco.
Quanto às eleições, elas transcorreram tranqüilas, entre delicadezas de insultos e denúncias, sempre lastreadas em algum artigo do Código Penal de injúria e difamação. Mas, como são dos dois lados, noves fora, zero. Estão reclamando muito dos marqueteiros, que neste ano dão mais entrevistas que os candidatos e aumentaram os preços além da inflação acumulada desde o início do Plano Real.
No mais vamos ficar rezando para que o Kerry consiga ganhar e que a Flórida aceite as urnas que o ministro José Paulo Pertence está oferecendo -à prova de fraude, coisa impossível de não acontecer no estado de tão belas praias e tão vigorosos furacões. Foi onde Bush elegeu-se.
Termino com um ditado do Nordeste: Procure-se o chocalho da besta onde a besta morreu".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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