São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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ALBA ZALUAR

Pré-conceitos

"TODO FAVELADO é cúmplice dos traficantes"; "o usuário de drogas é o culpado pela violência nas cidades brasileiras"; "todo sociólogo e antropólogo defensor dos direitos do cidadão não entende nada do problema". Com tal coleção de justificativas, é claro que não fica nada para criticar na ação da polícia nas favelas do Rio de Janeiro.
No entanto, nem toda favela tem comando de traficante armado até os dentes; nem toda cidade deste planeta, especialmente nos países onde há muito mais usuários de drogas ilegais, apresenta o quadro de violência daqui. Finalmente, em outros Estados da Federação, há colaboração entre a universidade e a polícia, entre sociólogos e policiais. Exageros à parte, não aproveitar o conhecimento adquirido por métodos científicos tem nome: obscurantismo.
E o que mostram as pesquisas realizadas? Que o conflito entre a Falange Jacaré e o Comando Vermelho já existe há décadas, sendo fruto de um sistema prisional falho. Este sistema permitiu que prisioneiros mais fortes, ricos e agressivos convivessem, na mesma cela, ala ou prisão, com pequenos delinqüentes, que sempre foram oprimidos e extorquidos pelos primeiros. O Comando Vermelho surgiu para acabar com esta opressão dentro da prisão nos anos 1970. A Falange virou Terceiro Comando ainda no regime militar, quando o tráfico de cocaína começou a se espalhar pelo Brasil.
Pouco a pouco, os comandos descobriram que o tráfico de drogas ilegais era uma forma de ganhar dinheiro fácil e continuar a extorquir dos envolvidos, dentro e fora da prisão, tudo aquilo que é necessário para viver bem e dominar quem não for chefe. Inimigos, deixaram os assaltos para se tornar comerciantes em guerra mortal.
O dinheiro ganho nas bocas vai para os líderes dos comandos fora e dentro da prisão. Gerentes, vapores, soldados e olheiros, quando presos, não ganham nada; livres, ganham percentual ínfimo dos lucros. Uma "empresa" sem nenhum direito trabalhista. Já há muitos desiludidos que compreendem que se arriscaram para defender o que não era deles.
Nada disso justifica, portanto, que policiais cacem e matem quem deveriam prender para investigar melhor os meandros dessa empresa tão lucrativa e tão violenta. Fora os danos à imagem da polícia, há os prejuízos na informação acerca dos fornecedores de armas e drogas que, presos, dariam.
Como pode um policial se apresentar como defensor da lei se viola a lei, seja por se corromper, seja por matar até jovens desarmados? Não se trata de direitos humanos, mas dos direitos civis do favelado, inscrito na Constituição vigente.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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