São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Celso Furtado

RIO DE JANEIRO - Na última quinta-feira, tive de sair mais cedo para ir ao médico. Ao me despedir de Celso Furtado, ele me tomou as mãos e perguntou como ia minha saúde. Agradeceu as palavras que, durante a sessão, foram ditas a respeito de seu artigo (que seria o último), publicado na véspera, no "Jornal do Brasil".
Um artigo antológico, sobre a hegemonia do capital internacional, com dois tentáculos que asfixiam os países que lutam para sair do subdesenvolvimento: o Consenso de Washington como Legislativo e o FMI como Executivo.
Lutador histórico de nossa soberania, Celso teve formação especializada, mas nunca deixou de ser um humanista. Lembro duas conferências feitas recentemente por ele na Academia: uma sobre Euclides da Cunha, outra sobre Eça de Queiroz.
Revelou o que eu não sabia. Durante a Segunda Guerra Mundial, da qual participou como integrante de FEB, ele passou por Lisboa e fez questão de ser fotografado, sozinho e fardado, junto ao monumento do mestre, ali na rua do Alecrim
Era um homem bonito. Quando completou 80 anos, acompanhei-o à Paraíba, sua terra natal, onde seria homenageado pelo governo e povo paraibanos. Estava em forma, assombrosamente lúcido.
Nos dois últimos anos, a saúde declinou, mas seus olhos verdes permaneciam jovens, iluminados. Precisava de ajuda para sentar ou levantar de sua poltrona, tinha um jeito enternecido de agradecer qualquer atenção que recebia.
Não tenho preparo suficiente para falar sobre o economista e o sociólogo. Sei que nossa paisagem intelectual fica mais pobre sem ele. E a Academia mais órfã.
Apesar da saúde em declínio, ele ia a todas as sessões, a todas as palestras e eventos que ali se realizam. Com alegria, participava de nossa vida, recuperava o menino paraibano da infância e mocidade. A Academia tornou-se sua turma de amigos, sua tribuna, sua última casa. Era emocionante vê-lo. E impossível, agora, não chorá-lo.


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