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CARLOS HEITOR CONY
Celso Furtado
RIO DE JANEIRO - Na última quinta-feira, tive de sair mais cedo para ir ao
médico. Ao me despedir de Celso Furtado, ele me tomou as mãos e perguntou como ia minha saúde. Agradeceu
as palavras que, durante a sessão, foram ditas a respeito de seu artigo
(que seria o último), publicado na
véspera, no "Jornal do Brasil".
Um artigo antológico, sobre a hegemonia do capital internacional, com
dois tentáculos que asfixiam os países
que lutam para sair do subdesenvolvimento: o Consenso de Washington
como Legislativo e o FMI como Executivo.
Lutador histórico de nossa soberania, Celso teve formação especializada, mas nunca deixou de ser um humanista. Lembro duas conferências
feitas recentemente por ele na Academia: uma sobre Euclides da Cunha,
outra sobre Eça de Queiroz.
Revelou o que eu não sabia. Durante a Segunda Guerra Mundial, da
qual participou como integrante de
FEB, ele passou por Lisboa e fez questão de ser fotografado, sozinho e fardado, junto ao monumento do mestre, ali na rua do Alecrim
Era um homem bonito. Quando
completou 80 anos, acompanhei-o à
Paraíba, sua terra natal, onde seria
homenageado pelo governo e povo
paraibanos. Estava em forma, assombrosamente lúcido.
Nos dois últimos anos, a saúde declinou, mas seus olhos verdes permaneciam jovens, iluminados. Precisava
de ajuda para sentar ou levantar de
sua poltrona, tinha um jeito enternecido de agradecer qualquer atenção
que recebia.
Não tenho preparo suficiente para
falar sobre o economista e o sociólogo. Sei que nossa paisagem intelectual fica mais pobre sem ele. E a Academia mais órfã.
Apesar da saúde em declínio, ele ia
a todas as sessões, a todas as palestras
e eventos que ali se realizam. Com
alegria, participava de nossa vida, recuperava o menino paraibano da infância e mocidade. A Academia tornou-se sua turma de amigos, sua tribuna, sua última casa. Era emocionante vê-lo. E impossível, agora, não
chorá-lo.
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