São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Uma boa cara não basta

CARACAS - A explicação mais frequente quando pergunto como o presidente Hugo Chávez mantém sua popularidade com os setores mais pobres (a maioria dos 23 milhões de venezuelanos) é a de que ele é a cara do povo local.
Conversar com seus partidários remete a uma afirmação comum entre os simpatizantes do presidente chileno Salvador Allende, deposto em 1973 (preferiu o suicídio à rendição aos golpistas). Diziam: "Este pode ser um governo de merda, mas é MEU governo".
Parte do público venezuelano transmite essa mesma impressão de que o presidente lhes pertence. Citei a Chávez a frase dos chilenos e perguntei-lhe se, de alguma forma, não estaria ocorrendo o mesmo na Venezuela com ele.
Não gostou, é claro. "Te convido a ir aonde quiser e a perguntar às pessoas se este é um governo de merda. Deixe que eles te digam", respondeu.
Não disseram. Mas é evidente que há uma crise econômica e política forte, que o desemprego aumentou. Até a pobreza cresceu segundo dados da Universidade Católica Andrés Bello. Chávez contesta-os e usa números do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas) para tentar provar que são falsos.
Talvez, mas ele é obrigado a conceder que sua popularidade caiu, menos do que diz a oposição, mas caiu.
Alega que, após três anos, quase quatro, de governo, todo governante perde popularidade. Não é bem assim -do que dão prova inúmeros chefes de governo mundo afora.
Seja como for, o fato de uma parcela significativa dos venezuelanos identificar-se com Chávez remete a Luiz Inácio Lula da Silva, que seria, conforme muitas análises, a cara do povo brasileiro, razão da idolatria de que passou a gozar pouco antes e depois da eleição.
Se é assim, o exemplo de Hugo Chávez mostra que essa identificação pode ser ótima para começar a governar, mas tem limites razoavelmente estreitos.


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