São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2007

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Crime no Masp

Furto de obras de arte assinala a necessidade de Estado e sociedade reagirem ao abandono do museu paulistano

UM PÉ-DE-CABRA, um macaco e uma marreta. Três minutos. Nada mais foi necessário para furtar, do Museu de Arte de São Paulo (Masp), um Picasso e um Portinari, estimados em até R$ 100 milhões.
Roubos espetaculares podem acontecer em grandes museus de qualquer cidade, e há casos de operações até mais simples do que a ocorrida na madrugada desta quinta-feira. O quadro "O Grito" foi retirado à luz do dia do Museu Munch de Estocolmo, e correram mundo as imagens do assaltante que sobraçava, andando pela rua, a célebre pintura.
No Masp, as cenas do crime são de visualização mais difícil. É que suas câmeras não contam com dispositivos infravermelhos. Custariam R$ 30 mil, quantia que o Masp -cujo acervo se calcula valer, no mínimo, US$ 1 bilhão- não tem de onde tirar. Alarmes? Sensores de aproximação? Perguntar por tais cuidados parece até brincadeira, num museu que já teve luz e telefones cortados por falta de pagamento.
Em outubro, já tinha havido uma tentativa de roubo no museu. Nada que abalasse, entretanto, a rotina do local. O presidente do Masp, Júlio Neves, declarou-se "atônito e trêmulo" ao saber que, desta vez, ladrões tiveram sucesso na empreitada.
Atônitos, com mais razão, ficam todos os que se acostumaram a ver no Masp um dos orgulhos da cidade -e assistem, há anos, ao declínio da instituição. Em crônicas dificuldades financeiras, o museu -que é uma entidade de direito privado- vive uma crise que tem evidente dimensão de interesse público. Idéias, entretanto, não faltam para revitalizá-lo.
Por estranho que possa parecer, segundo a revista "Veja" o Masp recebeu em 2006 da iniciativa privada apenas 40% do montante angariado pela Pinacoteca do Estado da mesma fonte. Ao contrário do que acontece com este museu público, a marca do Masp não é explorada comercialmente.
Quanto a possíveis auxílios do poder público, esbarram em questões de outra natureza. O governo do Estado, por exemplo, condiciona a canalização de verbas à contrapartida de mais influência -e participação da sociedade- na escolha dos administradores do museu. A prefeitura, que em 2006 cedeu R$ 1,6 milhão ao Masp, reclama da falta de transparência da atual gestão.
Algumas mudanças positivas vieram a público recentemente. Após ficar uma década sem curador, o Masp tem agora uma personalidade de reconhecida experiência ocupando o cargo. E, num aprimoramento que soa irônico na presente circunstância, a reserva técnica -onde se deposita a parte do acervo que não é exposta ao público- passou a contar com moderno sistema de prevenção a roubos.
Não basta, evidentemente. Em três minutos, ladrões levaram dois quadros da sala de exibição. Alarmes não soaram nesta quinta-feira. Mas soam com estridência, há vários anos, os sinais de crise no mais importante museu brasileiro. Sociedade e Estado não mais podem consentir com seu abandono.


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