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Crime no Masp
Furto de obras de arte assinala a necessidade
de Estado e sociedade reagirem ao abandono
do museu paulistano
UM PÉ-DE-CABRA, um
macaco e uma marreta. Três minutos. Nada
mais foi necessário para furtar, do Museu de Arte de
São Paulo (Masp), um Picasso e
um Portinari, estimados em até
R$ 100 milhões.
Roubos espetaculares podem
acontecer em grandes museus de
qualquer cidade, e há casos de
operações até mais simples do
que a ocorrida na madrugada
desta quinta-feira. O quadro "O
Grito" foi retirado à luz do dia do
Museu Munch de Estocolmo, e
correram mundo as imagens do
assaltante que sobraçava, andando pela rua, a célebre pintura.
No Masp, as cenas do crime são
de visualização mais difícil. É
que suas câmeras não contam
com dispositivos infravermelhos. Custariam R$ 30 mil, quantia que o Masp -cujo acervo se
calcula valer, no mínimo, US$ 1
bilhão- não tem de onde tirar.
Alarmes? Sensores de aproximação? Perguntar por tais cuidados
parece até brincadeira, num museu que já teve luz e telefones
cortados por falta de pagamento.
Em outubro, já tinha havido
uma tentativa de roubo no museu. Nada que abalasse, entretanto, a rotina do local. O presidente do Masp, Júlio Neves, declarou-se "atônito e trêmulo" ao
saber que, desta vez, ladrões tiveram sucesso na empreitada.
Atônitos, com mais razão, ficam todos os que se acostumaram a ver no Masp um dos orgulhos da cidade -e assistem, há
anos, ao declínio da instituição.
Em crônicas dificuldades financeiras, o museu -que é uma entidade de direito privado- vive
uma crise que tem evidente dimensão de interesse público.
Idéias, entretanto, não faltam
para revitalizá-lo.
Por estranho que possa parecer, segundo a revista "Veja" o
Masp recebeu em 2006 da iniciativa privada apenas 40% do
montante angariado pela Pinacoteca do Estado da mesma fonte. Ao contrário do que acontece
com este museu público, a marca
do Masp não é explorada comercialmente.
Quanto a possíveis auxílios do
poder público, esbarram em
questões de outra natureza. O
governo do Estado, por exemplo,
condiciona a canalização de verbas à contrapartida de mais influência -e participação da sociedade- na escolha dos administradores do museu. A prefeitura, que em 2006 cedeu R$ 1,6
milhão ao Masp, reclama da falta
de transparência da atual gestão.
Algumas mudanças positivas
vieram a público recentemente.
Após ficar uma década sem curador, o Masp tem agora uma personalidade de reconhecida experiência ocupando o cargo. E,
num aprimoramento que soa
irônico na presente circunstância, a reserva técnica -onde se
deposita a parte do acervo que
não é exposta ao público- passou a contar com moderno sistema de prevenção a roubos.
Não basta, evidentemente. Em
três minutos, ladrões levaram
dois quadros da sala de exibição.
Alarmes não soaram nesta quinta-feira. Mas soam com estridência, há vários anos, os sinais de
crise no mais importante museu
brasileiro. Sociedade e Estado
não mais podem consentir com
seu abandono.
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